Votar, rezar e vigiar
Matéria do Poder360 informa que “Evangélicos pró-Lula tentam frear oposição em bancada da Bíblia”. Congressistas aliados a Lula querem marcar posição, assumindo posicionamentos contrários aos colegas conservadores da Frente Parlamentar Evangélica.
“Espero que não seja uma bancada criada com o ideal político de fazer oposição ao governo. Tem de ser propositiva. A crítica faz parte do processo democrático e é muito importante, mas não se pode instrumentalizar o que quer que seja aqui dentro do Congresso para comprometer ou atrapalhar qualquer ação pública”, defendeu a líder do bloco governista no Senado, Eliziane Gama (PSD-MA).
A senadora Damares Alves (Republicanos-DF), vice-presidente da frente no Senado e ex-ministra de Jair Bolsonaro, afirma na reportagem que a frente parlamentar “não será oposição ao governo Lula“. “Vamos deixar isso muito claro. A frente vai orar pelo governo Lula. Vamos fazer oposição política no lugar certo. Até porque há senadores evangélicos da base do governo.” A fala da ex-ministra remete à passagem do apóstolo Paulo escrevendo ao amigo Timóteo, sobre o dever de interceder pelas autoridades constituídas.
“Antes de tudo, recomendo que se façam súplicas, orações, intercessões e ações de graças por todos os homens; pelos reis e por todos os que exercem autoridade, para que tenhamos uma vida tranquila e pacífica, com toda a piedade e dignidade.”(1 Timóteo 2:1-2)
Escrevendo aos Romanos, Paulo vai além, ao dizer que toda autoridade é constituída, em última instância, pelo próprio Deus. “Todos devem sujeitar-se às autoridades governamentais, pois não há autoridade que não venha de Deus; as autoridades que existem foram por ele estabelecidas. Portanto, aquele que se rebela contra a autoridade está se opondo contra o que Deus instituiu, e aqueles que assim procedem trazem condenação sobre si mesmos. Pois os governantes não devem ser temidos, a não ser por aqueles que praticam o mal.” (Romanos 13: 1-4).
Essas passagens já suscitaram debates acalorados entre os teólogos cristãos, sobre os limites éticos do dever de obediência às autoridades. Uma referência histórica nesse tema é o teólogo alemão Dietrich Bonhoeffer, que resistiu e foi morto pelos nazistas numa Alemanha em que os cristãos luteranos ou se calaram ou apoiaram o regime de Hitler. Muitos, inclusive, inspirados pelas palavras do apóstolo.
Para aprofundar:
O cristão deve sempre se sujeitar às autoridades politicamente constituídas, no sentido de aceitar sua legitimidade como sendo, em última instância, decidida por Deus?
Quais os limites éticos inerentes aos versículos escritos pelo apóstolo Paulo, que era, ele mesmo, um prisioneiro do regime despótico romano quando escreveu essas passagens?
Mercadores da Palavra
O perfil “Assembleianos de VALOR” no Face mostra num post de 2019 uma foto da sorridente missionária Camila Barros sendo ordenada pastora por Silas Malafaia, pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, no Rio de Janeiro.
A pregadora, que tem um canal no Youtube com 1,21 milhão de subscritores, foi chamada na semana passada de mercadora da fé por internautas que comentaram um post do pastor brasiliense Anderson Silva – ele mesmo um controverso ministro de Deus que já fez um sermão intitulado “A mulher e seu potencial demoníaco”. Silva denuncia Camila Barros por ter cobrado 5 mil dólares (cerca de R$ 26 mil) para pregar em uma igreja com apenas 30 membros em Nova York, e 4 mil dólares (cerca de R$ 20 mil) para pregar na Louisiana.
Leitores indignados defendem que pregar a Palavra de Deus deve ser um ato de generosidade, sem cobrança nenhuma. Essas pessoas, imagino, reverberam as palavras de Jesus, no Evangelho de Mateus: “De graça recebestes, de graça deveis dar!” (Mt 10:8).
Para minha surpresa, esse assunto é amplamente debatido entre os evangélicos. Eu perguntei ao Google – “Quanto cobram para pregar palestrantes cristãos?”. E logo vieram vários links, com textos desse tipo:
Eventos cristãos: cobrar ou não cobrar pelas inscrições?
Cobrar para pregar é pecado?
E esta matéria que me chamou a atenção – está no site otvfoco.com, é assinada por Larisse Oliveira, atualizada em fevereiro de 2020:
Pastores faturam alto com suas pregações e ainda fazem exigências....
Segundo a matéria, o cachê mais alto conhecido, em 2020, era do pastor Claudio Duarte, que pedia 20 mil reais para falar em igrejas.
Para apurar:
Um pastor tem o direito de cobrar para pregar, como faz, por exemplo, um palestrante motivacional?
Quanto cobram os pastores-celebridade brasileiros quando convidados a falar em outras igrejas?
Quanto movimenta esse mercado de palestras de influencers evangélicos, formado de cursos, agências, livros, entre outros?
E por falar em cobrar ...
Prebenda pastoral. Aprendi essa nova palavra nesta semana ao pesquisar sobre o tema da remuneração pastoral, atraída pelas notícias de que o governo Jair Bolsonaro concedeu uma isenção tributária “atípica” a pastores evangélicos, às vésperas da campanha eleitoral de 2022, que agora passar por uma reavaliação da Receita Federal. Matéria da Folha de S.Paulo informa que “Por trás do ato editado pelo governo Bolsonaro está a chamada prebenda, remuneração recebida pelos pastores e líderes religiosos por serviços prestados às igrejas.
A lei isenta a prebenda do recolhimento de contribuição previdenciária, desde que ela tenha relação com a atividade religiosa e não dependa da natureza ou da quantidade de trabalho.”
A matéria segue informando que a Receita descobriu que algumas igrejas usavam o artifício da prebenda para “driblar a fiscalização e distribuir uma espécie de participação nos lucros aos pastores que reuniam os maiores grupos de fiéis... ou as maiores arrecadações de dízimo. O Fisco aplicou multas milionárias e exigiu o pagamento da alíquota previdenciária de 20% sobre os valores pagos a pastores, dirigentes e lideranças religiosas.” A discussão se tornou uma pauta prioritária da bancada evangélica no Congresso Nacional.
Segundo a reportagem, entidades religiosas tinham, no ano passado, um débito de R$ 1 bilhão na Dívida Ativa da União, sendo R$ 951 milhões relacionados à Previdência.
Para investigar:
Como funciona a relação trabalhista das igrejas com seus pastores?
O chamado pastoral, considerado uma vocação espiritual, confere ao ministro direitos convencionais de CLT, como pagamento de férias, décimo terceiro, auxílio-doença?
E como anda o debate da tributação das igrejas, propriamente? Elas recolhem imposto de renda sobre os dízimos e ofertas? E quem fiscaliza?
* Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.
Marília de Camargo Cesar nasceu em São Paulo, é casada e tem duas filhas. Jornalista, é editora-assistente de projetos especiais do Valor Econômico, maior jornal de economia e negócios do Brasil. É também autora de livros que provocam reflexão nas lideranças evangélicas. Suas obras mais conhecidas são Feridos em nome de Deus, Marina — a vida por uma causa e Entre a cruz e o arco-íris.