Vontade, mas não vocação para ser Deus

Vontade, mas não vocação para ser Deus

O que vimos ontem no debate da TV Cultura-SP foi estarrecedor. Não me lembro de outro período da chamada Nova República em que sequer imaginaríamos assistir agressões físicas em debates políticos.

Sou do tempo das águias e não dos touros. Era engraçado, mas ao mesmo tempo instrutivo, ver como os políticos de outrora se esquivavam das farpas enviadas pelos demais candidatos. Quem não se admirava do ensaboado Paulo Maluf? Ou do assertivo Mário Covas? O que dizer do provocativo Brizola e do combativo Lula? Dava gosto de ver o debate presidencial em 89...

O que aconteceu na TV Cultura não foi incidental. Pablo Marçal manipulou as emoções de um combalido Da-P-ena. Pedido de perdão antes do debate, provocação ao longo: nem a exposição da fragilidade pessoal pela perda da sogra fez com que gerasse qualquer ponta de piedade em Marçal que, se fosse pastor de fato, pararia naquele momento para orar pelo adversário. Antes, preferiu conduzi-lo ao precipício. Um líder cego conduzindo outro cego, como lembraria Jesus.

Mas por quê Pablo Marçal propositadamente produziu isso?

No aspecto religioso do que possivelmente seria seu narcisismo, Marçal que já se assumiu maior que Salomão, contrariando a própria Bíblia, agora almeja um atributo natural à divindade: sua Onipresença. Seu instrumento para isso são os cortes e as redes sociais. E pasme: ele praticamente conseguiu.

A segunda-feira pós debate amanheceu com Marçal onipresente nas redes sociais. Seu ideal, como mostram imagens publicadas por sua equipe na ambulância, era gerar comoção e empatia como vítima de violência. Não tendo força para reeditar a tal facada, nem coragem para dobrar a aposta com um "atentado" a tiros, vislumbrou a proximidade da morte através do invertido uso de uma cadeira.

Pessoalmente, não acho que vai colar, especialmente porque estão sendo divulgadas imagens não de um Marçal caído após a agressão; mas sim de um Marçal que seguiu encarando e desafiando Datena. Gente assim não precisa de oxigênio em ambulância. Perfis, como de Marçal, usam até o sagrado serviço de ambulâncias para monetizar e faturar politicamente.

Marçal adotou uma postura sem linhas demarcatórias. Tal postura provoca estranhamento no eleitorado conservador, o mesmo que faz questão de sublinhar o traçado e demarcar os limites. O mesmo eleitor que rejeita pretensões de autodivinização.

No aspecto político, penso que ao invés da simpatia, Marçal passará a colher antipatia; ao invés da desejada aceitação, será alvo de rejeição. No afã de se tornar conhecido pelo eleitorado, errou em muito a fórmula da receita. O bolo de sua intenção de votos solará na velocidade da divulgação das imagens, ainda no estúdio, após a agressão sofrida.

A Bíblia registra o triste fim daqueles que simpatizavam com sua própria divinização. Faraó, além de ver seu povo sofrer, perder seu primogênito, abriu mão do seu exército. Nabucodonosor literalmente pastou, comeu grama. Herodes Antipas teve o ventre tomado por vermes de tal forma que explodiu. Parece que a Bíblia deixa claro que para ser como Deus, não basta ter somente a vontade. E Pablo Marçal, até aqui, não demonstrou qualquer vocação no âmbito religioso, na esfera da espiritualidade cristã.


Pr. Dr. Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek é Mestre e Doutor em Ciência da Religião (UFJF/MG); Pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Filosofia da Religião, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF/MG); Pesquisador em Estágio de Pós-Doutorado pela UEMS (Bolsista CAPES); Pastor na Igreja Batista Marapendi (RJ/RJ); Professor do Seminário Teológico Batista Carioca. Autor de Bíblia e Modernidade: A contribuição de Erich Auerbach para sua recepção e Co-organizador de: Fundamentalismo Religioso Cristão: Olhares transdisciplinaresO Oásis e o Deserto: Uma reflexão sobre a História, Identidade e os Princípios Batistas; e A Noiva sob o Véu: Novos Olhares sobre a participação dos evangélicos nas eleições de 2022.