Violências e disputas de ódio no discurso evangélico: o caso do Pr. Dinho Souza

Responder aos evangélicos de extrema-direita com as mesmas gotas de ódio, ironia, sarcasmo e violência não é a melhor solução para impedir que eles se proliferem. Todavia, eles também não podem ser ignorados.

Violências e disputas de ódio no discurso evangélico: o caso do Pr. Dinho Souza

Neste Domingo de Páscoa (09/04), Dinho Souza, pastor da Igreja Povo da Cruz, localizada em Serra – ES, utilizou o seu Instagram para publicar um vídeo de oposição à figura do Jesus Negro a partir de uma crítica agressiva às ilustrações do artista e líder do Movimento Evangélico Negro – ES, Timóteo André (@theo_art). O desenho-alvo do comentário do pastor foi um retrato da crucificação de Cristo que, envolvido por seus acusadores, bolsonaristas e armamentistas, compara o cenário original da crucificação à atual configuração política de polarização evangélica e social. Pouco depois, o próprio Movimento Negro Evangélico postou em suas redes uma nota de repúdio às acusações de Dinho, informando que seu trabalho e o de Timóteo André são de cunho teológico, sério, pautado no amor e comprometido com a justiça social. Eles também expuseram uma preocupação com a subversão da narrativa realizada pelo pastor que os situou como extremistas de esquerda ao compará-los com o grupo “black block”, porém gospel.

Essa não é a primeira vez que Dinho Souza se envolve em uma polêmica desta categoria. Ele provocou uma tensa discussão no mundo virtual em Maio de 2022 ao tornar público um sorteio de uma espingarda de calibre 12, doada por um amigo colecionador de armas, para angariar dinheiro com o objetivo de reformar um espaço do seu templo. Importante considerar que o sorteio de armas e munição é uma atividade proibida no Brasil conforme o decreto nº 70.951 do governo federal, artigo 10. Contudo, o pastor se intitula um cristão armamentista e um caçador de lobos em seu próprio perfil, e seu conteúdo é voltado aos seguidores que se identificam, majoritariamente, com os discursos da plataforma bolsonarista a qual é reconhecida por flertar com os projetos políticos de extrema-direita. Seus vídeos revelam uma campanha baseada em sensacionalismo, violência, ódio, constrangimento da esquerda, oposição agressiva a qualquer movimento de minoria social e perseguição contínua dos acontecimentos e seus agentes a partir de uma manipulação das narrativas desde sua ótica fundamentalista.

O caso acima é apenas uma das centenas de situações que expõem uma disputa acirrada e estruturada historicamente do protestantismo evangélico no Brasil, que se acentuou nos últimos anos com a aliança do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro com as igrejas evangélicas para arregimentar seguidores de uma ala que, até então, estava dispersa entre a esquerda e a direita política. Contudo, o que observamos é que, além de ter realizado esta aliança, a plataforma bolsonarista também recuperou e desenvolveu várias estratégias de manipulação discursiva para aprofundar essa polarização de modo a construir uma política baseada no plano da adversariedade. Essa política situou e fortaleceu esses dois campos narrativos que o jurista, filósofo e teórico político alemão Carl Schmitt definiu como uma relação amigo/inimigo.

Chantal Mouffe, cientista política belga, segue na mesma direção que Schmitt ao defender que o antagonismo social não é benéfico para uma sociedade quando a oposição se estrutura no plano da adversariedade, do eu contra eles, pois esse tipo de confronto coloca sob tensão a própria legitimidade da democracia. O questionamento da democracia incide na racionalização coletiva dos seus limites, e o problema central desta disputa se concentra na realidade de que, até o momento, não temos uma alternativa em termos de modelo de governo que favoreça o debate público e se construa a partir das demandas do povo. A sua destruição terá como consequência a instituição de outro modo de organização que não se pautará na legitimidade da diversidade social, como bem sinaliza a visão de pessoas como Dinho Souza e seus seguidores, a exemplo de um dos comentários de uma seguidora na postagem do pastor: “Essa esquerda é doente. O ódio do bem e o amor venceu.”

Responder aos evangélicos de extrema-direita com as mesmas gotas de ódio, ironia, sarcasmo e violência não é a melhor solução para impedir que eles se proliferem. Na realidade, é utilizar os mesmos recursos discursivos que os situam neste plano da radicalidade político-religiosa. Todavia, eles também não podem ser ignorados, uma estratégia desenvolvida para lidar com as falas e expressões de Jair Bolsonaro na época em que atuava na presidência do Brasil. A teoria da “cortina de fumaça” não se aplica à perpetuação das vozes que, em parte dos evangélicos protestantes, ecoam narrativas de destruição e perseguição. Elas se tratam de provocações que tem por finalidade alcançar um ambiente discursivo ambivalente, mas dominado pelo próprio ódio, como a seguidora apontou: ódio do bem e ódio do mal – por mais paradoxal que possa ser a existência de um “ódio do bem”.

Por outro lado, esse antagonismo amigo/inimigo que persiste historicamente na camada religiosa cristã no Brasil é alimentado por diversas questões que, na representação do bolsonarismo, ganhou expressão política e de fala. O fortalecimento dessa oposição recebe um apoio expresso da mídia e de pessoas que desconhecem a história dessa rivalidade a qual, no Protestantismo, tem origem com a chegada de dois conjuntos diferentes de missionários norte-americanos no país somado a um processo de colonização profundamente violento e religiosamente dominador. Portanto, não se trata de uma disputa que findará em silenciamento de nenhuma das partes, ao contrário, quanto maior o envolvimento evangélico no cenário político, mais amplitude e espaço esse conflito entre evangélicos de “esquerda” e evangélicos de “direita” receberá, arriscando minar o próprio projeto democrático.

A solução, sem dúvida, não é impedir o envolvimento da religião nas questões públicas, mas deveria passar por tópicos de aprendizado que a efervescência dessas disputas demonstram ser importantes para uma política efetivamente democrática e que, aparentemente, estão em falta no nosso país: o ensino da política em idade escolar; o ensino religioso precisa considerar a nossa realidade de fé, a forma como os diversos segmentos religiosos se instalaram no Brasil; uma pedagogia dos afetos, em que possamos aprender a identificar nossos sentimentos e desenvolver nossa capacidade de lidar com eles; são alguns dos pontos que aprendemos de forma desajeitada na vivência cotidiana e que precisam ser parte de uma estrutura pedagógica que capacita pessoas para conviver em sociedade, em meio às diferenças e divergências humanas.

Além disso, como Paulo Freire disse, certa vez, “se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”. Uma grande porção dos conflitos sócio-políticos residem na construção de um conjunto de equívocos discursivos a partir dos quais se instalam as fronteiras das disputas e, na religião cristã protestante evangélica, não é diferente. A Teologia, que é o discurso que sustenta as diversas religiões, pode ser manipulada conforme o contexto de interpretação de seus autores. No caso do Brasil, de maioria cristã, a Teologia se concentra em duas figuras centrais: a de Jesus Cristo (muito recuperada pelos evangélicos de “esquerda”) e a do apóstolo Paulo (muito recuperada pelos evangélicos de “direita”). São dois personagens utilizados como referências práticas para a afirmação e a condenação de atitudes e que, de ambos os lados, são vistos de diferentes maneiras, aprovando ou negando oposições. Este foi, inclusive, o cerne da crítica de Dinho Souza em relação ao desenho de Timóteo André.

Isso sinaliza que pensar caminhos de conciliação de conflitos, de modo a tornar os antagonismos polarizados em agonismos é uma atitude urgente. É inegável a importância da participação dos processos pedagógicos na formação de pessoas que precisarão coexistir e lidar com as diferenças de interesses, identidades e experiências de fé. É nesse sentido que deixo uma questão final: que educação necessitamos neste espectro dos antagonismos religiosos? Talvez ela nos direcione para algumas reflexões que podem nos ajudar a lidar com essas questões.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Elissa Gabriela é teóloga, mestre em Filosofia, co-fundadora da Editora Saber Criativo e, hoje, se articula por meio do seu projeto pessoal Pensar Teologia, espaço em que discute os temas da Teologia Política, Fé Cristã e Espaço Público.