Vídeo de “expulsão de demônios” de Lula e Janja viraliza e ilustra mudança de padrão do ativismo evangélico
Essa semana um vídeo de um culto evangélico tomou as redes sociais. Nele, um pastor, “entrevistava e expulsava demônios” - para usar os termos próprios religiosos- de uma fiel. Seria só mais um episódio relativamente comum em igrejas do tipo neopentecostal do país, se não fosse pelo conteúdo da conversa entre o pastor e os “demônios”.
Um primeiro ponto a se considerar é que o pastor em questão chamava os supostos demônios por nomes de entidades da umbanda, especificamente Exu tranca rua e Pomba Gira. Ao considerar entidades sagradas de outra religião, subvertendo suas características e os associando com demônios, temos um exemplo clássico de intolerância religiosa. Se considerarmos que a umbanda faz parte da tradição das religiões de matriz afro-brasileiras, temos também um componente de racismo religioso na ação.
Mas o caso ainda ganha uma camada problemática a mais. Na “entrevista” com as entidades que possuíam a fiel, as mesmas diziam estar ocupando os corpos do presidente Lula e da primeira dama Janja da Silva, e com isso “espalhando a morte pelo país”. Em reação o pastor não só “expulsa os demônios”, mas também diz que estaria expulsando Lula da presidência.
O episódio, por óbvio, é caricato. Isso, no entanto, não quer dizer que seja inofensivo. Não quero discutir a possível repercussão do vídeo, pois esse é um assunto sério e não tão óbvio quanto parece - os fiéis presentes na igreja pareciam acreditar no que estão vendo, e a história recente mostra que mesmo teorias, vídeos e correntes absurdas e facilmente refutáveis não são tão inofensivos assim. O efeito desse tipo de conteúdo não está na sua plausibilidade factual, e sim no quanto que ele dialoga com crenças já internalizadas de um determinado grupo.
O ponto é que, no último período, estamos acompanhando uma transformação na forma que religião vem se relacionando com a política. Acompanhando campanhas políticas em igrejas evangélicas desde 2012, o que observo é uma mudança do padrão dos termos em que essa relação se dá. Inicialmente, a temática política estava presente nos cultos na linguagem típica política, envolvendo pautas, demandas e acordos, e em momentos à parte dos cultos, ou ao final deles, com uma separação muito mais clara entre o que era ritual religioso, discussão teológica e discussão eleitoral. No novo padrão, que surge com força a partir da eleição de 2022, a discussão política aparece pela voz de pastores em meio a episódios de falar em línguas (ou seja, como se fossem palavras do próprio Espírito Santo, e não dos pastores) ou de entidades possuidoras de fiéis. Isso, vale dizer, é muito perigoso.
Por fim, é importante constar que as críticas ao vídeo por parte da comunidade evangélica foram fortes. Há um importante grupo de evangélicos que resiste à vulgarização e apropriação da sua fé para fins eleitorais. Ao menos, encerramos com boas notícias.