Tragédia no Sul deve produzir um ambientalismo mais comprometido
Desde a década de 90, na esteira da Eco 92, os evangélicos brasileiros têm marcado sua posição em relação à questão ambiental. Enquanto os católicos brasileiros já debatiam o assunto desde a década de 70, influenciados pela Teologia da Libertação e pela proximidade com os movimentos ambientalistas, os evangélicos adentraram nesse diálogo de forma mais tardia. Essa entrada tardia marcou uma postura de contraposição aos movimentos ambientalistas, gerando uma percepção de ausência de engajamento com a pauta ambiental.
Embora pesquisas demonstrem que os evangélicos brasileiros não são necessariamente avessos à pauta ambiental, eles frequentemente expressam uma preocupação em demarcar uma clara distância em relação aos movimentos ambientalistas. Esse posicionamento pode gerar a impressão de um certo anti-ambientalismo entre os evangélicos, evidenciando uma hesitação em expressar apoio à causa ambiental sem antes destacar suas reservas em relação aos movimentos ambientalistas e à Nova Era.
Nesse contexto, eventos como a tragédia climática no Sul do Brasil podem proporcionar uma oportunidade para amenizar essas tensões. A necessidade de cooperação mútua para lidar com desafios ambientais pode incentivar os evangélicos a trabalhar em conjunto com os movimentos ambientalistas, superando suas divergências e construindo pontes para um diálogo mais produtivo.
O desafio dos ecorreligiosos na promoção da consciência ambiental
Os ecorreligiosos são um grupo minoritário dentro dos círculos religiosos, mas que atribuem grande importância à questão ambiental em sua matriz de valores e atuação. Eles não apenas simpatizam com a pauta ambiental, mas a consideram fundamental em suas identidades e práticas religiosas. Porém, apesar de sua dedicação, muitas vezes se deparam com a falta de reconhecimento e poder de influência dentro de suas próprias comunidades religiosas.
Por vezes, essa minoria encontra satisfação na percepção de serem os "iluminados" em meio aos "ignorantes", evidenciando uma busca por seus semelhantes em
detrimento da conscientização daqueles que ainda não despertaram para a
importância da questão ambiental. Essa dinâmica, presente não apenas dentro das
igrejas, mas também em movimentos políticos de esquerda, destaca uma tendência
contemporânea de priorizar a sinalização de virtudes em detrimento do
pragmatismo.
Nesse sentido, este momento representa uma oportunidade para os ecorreligiosos adotarem estratégias mais pragmáticas, especialmente no que diz respeito à implementação de programas e iniciativasambientais coordenadas em diversas congregações de uma mesma denominação. Mais do que simples pronunciamentos com verniz ecológico, é necessário um comprometimento efetivo com a conscientização e ação ambiental em âmbitos mais amplos.
É fundamental que os ecorreligiosos busquem convencer os líderes religiosos sobre a importância estratégica do engajamento ecológico para o crescimento e a imagem pública da igreja, bem como para a retenção da juventude. A Igreja Católica, por exemplo, já compreendeu esse potencial estratégico de forma consciente.
Imagina-se o impacto positivo que uma congregação ou denominação poderia ter ao implementar programas de conscientização e ação ambiental coordenados, não apenas como resposta a uma tragédia específica, mas como medida preventiva para evitar futuros desastres.
Essa abordagem não apenas fortaleceria a imagem da igreja, mas também desafiaria a percepção de que o ativismo evangélico está sempre alinhado a
posturas conservadoras.
No entanto, esse esforço requer uma mudança de perspectiva, afastando-se da simples apropriação de versos bíblicos em favor de uma abordagem mais prática e coordenada em relação à questãoambiental. A iluminação espiritual não virá apenas da repetição de mensagens ecológicas, mas sim da ação concreta e do comprometimento com a preservação do meio ambiente, uma responsabilidade que transcende crenças individuais e se torna uma missão coletiva.
A influência de Schaeffer no ambientalismo cristão
Em meio aos debates sobre a relação dos evangélicos com a questão ambiental, é crucial compreender as suas raízes históricas. O livro "Poluição e a Morte do Homem", de Francis Schaeffer, figura proeminente entre os conservadores, apresenta uma perspectiva que influenciou significativamente a postura dos evangélicos em relação ao ambientalismo. Schaeffer argumenta que a preocupação com a natureza não deve ser associada apenas aos movimentos seculares ou hippies, que rebaixariam o ser humano para tentar salvar o meio ambiente, mas sim entendida como uma pauta essencialmente cristã, a qual de forma alguma requereria uma inversão da hierarquia da Criação.
Partindo de desconfianças bastante semelhantes àquelas originalmente apresentadas por Schaeffer, para muitos evangélicos brasileiros o ambientalismo é recorrentemente visto como difusor de concepções que afrontam esse ensinamento tradicional sobre a “ordem” da Criação, uma vez que os ativistas priorizariam a preservação da natureza em detrimento da vida humana. Essa percepção cria um dilema: como se juntar aos movimentos ambientalistas sem comprometer a crença na importância fundamental da humanidade?
A resposta, para muitos evangélicos, está em uma abordagem mais individualista e localizada (não-ecossistêmica) da questão ambiental. Calcados na chamada “ética de zeladoria” (ou da “mordomia”), assumem que essa é uma responsabilidade dada por Deus a cada indivíduo, que responderá depois por eventuais ações danosas ao ambiente. No entanto, essa abordagem individualista, embora possa gerar ações positivas em nível local, muitas vezes carece de eficácia sistêmica e desdobramentos políticos devido à falta de apoio institucional.
Essa ineficiência deriva não apenas da frequente resistência demonstrada pelas lideranças religiosas, mas também dadificuldade dos ecorreligiosos em apresentar a questão ambiental como uma prioridade estratégica para suas igrejas. Apesar dos esforços para contornar essas limitações, como o ativismo digital e a participação em redes ecumênicas, a falta de apoio dos dirigentes institucionais continua sendo um obstáculo significativo.
Para que a questão ambiental ganhe relevância dentro das comunidades evangélicas, seria necessário um investimento institucional mais robusto e estratégico nessa pauta. Mas, para isso, as principais lideranças denominacionais precisariam ser convencidas (ou desafiadas) a encarar o “investimento” nessa direção não só como algo que é “legítimo”, ou que é “bíblico”, mas como algo que “vale a pena”. Do contrário, interesses e alianças de outra ordem, sobretudo com elites políticas e econômicas que se sentem (com razão!) ameaçadas por qualquer avanço da agenda ambiental, seguirão se sobrepondo à difusão dessa pauta no segmento evangélico em geral.
*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.
Renan William dos Santos é doutorando em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Mestre em Sociologia (2017) e Bacharel em Ciências Sociais (2015) pela mesma instituição. Participa do grupo de estudos Diversidade religiosa na sociedade secularizada, vinculado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e coordenado pelo Prof. Reginaldo Prandi. Desenvolve pesquisa nas áreas de Sociologia da Religião e Sociologia do Ambientalismo, analisando as novas formas de percepção sobre a natureza e a apropriação religiosa das pautas ecológicas. Atua nos seguintes temas: moralização dos discursos ecológicos, sacralização da natureza, religião e meio ambiente, religião e esfera política, teoria da secularização, desencantamento do mundo, escatologia, milenarismo, teoria sociológica e estudos sobre Max Weber. Twitter: https://twitter.com/santosrw_renan ou perfil no site acadêmico ReserachGate.