A armadilha de Trump

A armadilha de Trump

No sábado dia 13 de julho de 2024 em um comício Donald Trump teria sido vítima de um atentado. O futuro do pretérito se justifica por dois principais eixos: primeiro, pelo uso do termo vítima; segundo pela exuberância de pontos incongruentes nessa história que tem tudo para não ser fechada. Ao defender esta perspectiva da trama, não estou negando os fatos, mas buscando tão somente iluminá-los.

Trump não pode ser considerado uma vítima clássica do episódio. A vítima clássica é alguém inocente a todo o processo, como parece ter sido o caso do pai de família que acabou sendo morto. A vítima maior é a própria democracia americana que se vê, mais uma vez, diante do seu arquétipo violento: sim, os Estados Unidos foram construídos debaixo de bala e muita violência. John Wayne não nos deixa mentir com seu faroeste retrô.

Ora, Trump não tem inclinação para o pacifismo. Seu discurso é belicoso; seu background político tem como apoiadores e financiadores os fabricantes de armas. Esta transposição de uma personalidade com borderline para uma candidatura política sensível como é para presidente dos Estados Unidos, em algum momento traria algum tipo de consequência maior. Reitero: Trump não é vítima; Martin Luther King Junior, este sim, foi vítima.

Agora passemos a jogar luz sobre as incongruências.

O primeiro destaque é o visível amadorismo de um serviço secreto que costuma ser profissional em áreas não domésticas. Como deixam um telhado perto do comício vazio? Como, uma vez avisados, não tomam providências definitivas contra um possível atirador que lá se aboletou? Que segurança é esta que manda um policial averiguar sem manter um snyper de prontidão com o possível alvo na mira? Que serviço secreto é este que diante de um “atentado”, ao invés de carregar o alvo para longe do local, faz um deslocamento com três a quatro estações para paradas e interação com o público, sempre oferecendo a cabeça e o peito do alvo para uma outra tentativa? Lembro que em 2016 Trump foi retirado à força, rebocado do púlpito em uma ação ligeira, diante de uma ameaça de atentado naquela ocasião.

Uma segunda incongruência está na figura do atirador. Alguém filiado ao partido de Trump e que, depois daquele sábado, não pode ser ouvido para explicar sua motivação (ou seria contratação?). Longe de encarnar, ainda que amadoristicamente, um snyper, é difícil pensar que ele teria sucesso tanto para atingir, quanto para assustar Trump. A imagem de Doug Mills do que seria o deslocamento de ar provocado pela bala que teria triscado em Trump, não atesta cabalmente de que ela teria passado tão perto. No mais, o atirador da Pensilvânia, cá entre nós, está mais para um caçador de patos, de outro tipo de “Donald” (o Donald Duck) que não o Trump. Para mim, ficou a impressão de que o tiro nunca foi para acertar.

Sobre o candidato ferido, incomoda saber que a sua mão direita, a qual foi posta sobre a orelha que teria sido ferida de raspão, estava completamente limpa, sem qualquer mancha de sangue, já no seu primeiro aceno ao público quando ficou de pé. Incomodou muito também a pressa em dizer que a bala de fuzil teria acertado a sua orelha. Ora, uma bala de fuzil se acerta a orelha de alguém nem cirurgião plástico restaura: tem que pedir a Jesus para juntar os pedaços e colocar no lugar, lembrando da cura que o Mestre operou em Malco.

Espantosa também foi a reação de Trump. Ao invés de se jogar no chão diante de uma ameaça real ele vai agachando vagarosamente. Ao invés de querer sair rápido, ele empaca o tempo suficiente para tirar a foto do ano e ainda mobilizar sua militância com o punho cerrado gritando “lute”.

Outro fato que chama a atenção é o curativo desproporcional que passou a usar. Parece terem desenvolvido um absorvente de orelha para homens que sangram pelo ouvido... Ora, por que o ferimento precisa ficar escondido das potentes câmeras dos jornalistas? Ou estamos falando de um ferimento que não aconteceu, de uso de sangue de filme?

Estes apontamentos, dentre outros que igualmente poderiam ser feitos, foram aqui perfilados por conta da recepção e da semelhança com o episódio caseiro, ocorrido aqui em 2018. Tais ações são aproveitadas para criar uma sensibilização em torno de um candidato, visando uma escolha emotiva e não uma opção racional, como deveria ser, na hora de votar.

À visão de que Deus preservou a vida de Trump, dando contornos messiânicos à sua candidatura, se contrapõe a vaidade incontida do próprio candidato. Ao racionalizar o episódio, Trump trouxe para si a glória por ainda estar vivo: graças à sua decisão de virar a cabeça é que ele não foi atingido. Esta diferença entre a recepção do episódio pelos religiosos que votam em Trump e o próprio candidato republicano, não é de somenos importância. Estamos falando de alguém que, surfando na histeria religiosa produzida pelo fundamentalismo estadunidense, se recusa a ter uma leitura diferente da secular para o episódio impostoramente espiritualizado.

A recepção que este episódio teve aqui no Brasil preocupa. Primeiramente na imprensa que majoritariamente se recusou a empreender uma leitura crítica sobre o episódio e suas muitas franjas. Em segundo lugar, pela extrema direita que pejorativa e paradoxalmente chama Lula de “descondenado”, ao passo que valoriza o, este sim, condenado Donald Trump.

Ao finalizar, esclareço que a eleição americana não se dá entre dois polos morais (um plenamente bom e outro mal) de candidatura. Seja quem for eleito, será ruim para o mundo. No entanto, há certos nomes que conseguem ser pior. Normalmente alguém que não tem freio moral que o impeça de fazer uso de todo tipo de expediente para alcançar seus objetivos. É disso que estamos falando.


Pr. Dr. Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek é Mestre e Doutor em Ciência da Religião (UFJF/MG); Pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Filosofia da Religião, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF/MG); Pesquisador em Estágio de Pós-Doutorado pela UEMS (Bolsista CAPES); Pastor na Igreja Batista Marapendi (RJ/RJ); Professor do Seminário Teológico Batista Carioca. Autor de Bíblia e Modernidade: A contribuição de Erich Auerbach para sua recepção e Co-organizador de: Fundamentalismo Religioso Cristão: Olhares transdisciplinaresO Oásis e o Deserto: Uma reflexão sobre a História, Identidade e os Princípios Batistas; e A Noiva sob o Véu: Novos Olhares sobre a participação dos evangélicos nas eleições de 2022.