Teologia de trincheira

Teologia de trincheira

Coluna - Sérgio Dusilek

Da onde vem a intransigência evangélica, essa inabilidade quase que estrutural para o diálogo, essa certeza inequívoca de assentar platitudes como verdades eternas? É verdade que parte dela é oriunda desta praga educacional chamada de analfabetismo funcional. No entanto, há outro fator presente e pouco falado: chamo de teologia de trincheira.

Por não serem naturais da terra, bem como por chegarem aqui em período de vigência de uma religião oficial, os evangélicos adotaram muito naturalmente uma postura contracultural. O selo desta formulação é canonizar tudo que sai de dentro da igreja e demonizar tudo que vem de fora. Se a música tem letra parelha ao ensino bíblico, mas é de cantor não crente, ela se torna mundana. Por outro lado, se a música tem letra que diverge do melhor ensino bíblico, se foi composta por alguém que se diz crente, ela se torna santa.

Este fenômeno se agrava com a teologia de trincheira que nada mais é que a formatação estrutural de lideranças, de pastores, numa perspectiva de gueto. A aplicação do termo trincheira, então, se dá por dois motivos: pela visível formação de trincheira, bem como pelo anacronismo do modelo: o uso de trincheiras se popularizou na 1ª Guerra Mundial.

Se engana quem acha que a má formação e até formatação é exclusiva de seminários que vibram no subwoof da Teologia chancelada pelo MEC. Não! Há muitos seminários que procuram um diálogo com os temas que tocam a sociedade, que perseguem a vanguarda das fronteiras teológicas, sem esquecer da formação pastoral, como é o caso do Seminário Teológico Batista Carioca. De igual modo há cursos reconhecidos pelo MEC que produzem uma teologia fora do buraco, como o da Faculdade Unida e da Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo.

Todavia, há muitos cursos de teologia reconhecidos pelo MEC que produzem teologia de trincheira, que formatam consciências, que não dialogam com a vida, que reproduzem uma teologia que não açambarca a complexidade da vida, justamente por seu viés fundamentalista. Cursos que exibem o reconhecimento do MEC numa mão (normalmente a que digita nas redes a publicidade), mas que na outra, nos circunlóquios internos, faz questão de menosprezar, de pichar tais estruturas externas ao curso.

Termino dizendo que, se fosse o Sr. Camilo Santana, demandaria um pente-fino e reavaliaria tais credenciamentos. Afinal, teologia de trincheira, a rigor, não é teologia: quando muito representa um mimetismo do fundamentalismo.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Pr. Dr. Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek é Mestre e Doutor em Ciência da Religião (UFJF/MG); Pastor na Igreja Batista Marapendi (RJ/RJ); Professor do Seminário Teológico Batista Carioca. Autor de Bíblia e Modernidade: A contribuição de Erich Auerbach para sua recepção e co-organizador de: Fundamentalismo Religioso Cristão: Olhares transdisciplinares; e O Oásis e o Deserto: Uma reflexão sobre a História, Identidade e os Princípios Batistas.