TEM ALGO QUE “NÃO ESTÁ BATENDO” – Inquietações sobre a apuração da barbárie sofrida pelos médicos na Barra da Tijuca
Penso que todos fomos sacudidos com o bárbaro crime cometido contra médicos que congraçavam em um quiosque da Barra da Tijuca, o qual vitimou fatalmente três deles e mantém um ainda internado. Para além da falência das políticas de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro que, diga-se de passagem, vem de longa data, a qual enseja a possibilidade de que tais crimes aconteçam, a solução do crime tal qual apresentada pelo governador, ao invés de sinalizar para uma realidade positiva, pode representar o sepultamento final do poder público fluminense. Senão, vejamos (e aqui compartilho algumas inquietações):
- Segundo as apurações até agora, tudo não passou de um equívoco, de uma confusão, por conta da semelhança entre um dos médicos mortos e um filho de miliciano. Honestamente falando, a confusão era porque os dois eram calvos e tinham barba? Nos demais quiosques da orla da Barra, naquela fatídica noite, não tinha mais ninguém com barba e calvo? Quer dizer que se a turma do Porta dos Fundos tivesse marcado uma saideira em algum quiosque, Duvivier, Porchat, entre outros estariam mortos porque Antônio Tebet (vulgo Peçanha) teria certa familiaridade fenotípica com o alvo?
- Sinceramente, deu tempo para fazer um confere, ou no vídeo os assassinos chegaram atirando, já que as investigações alegam a semelhança com o alvo?
- Ainda sobre o vídeo... não lhe pareceu que parte do grupo que atirou fez empunhadura da arma como as forças de segurança instruem em seus cursos?
- Na apuração foi dito que o pretenso alvo, filho de um miliciano, sabia que era carta marcada. Desde quando figuras marcadas vão para quiosque à noite? Ele queria ser “eutanasiado”?
- A imprensa também divulgou que o alvo não estava naquela região. Ora, o grupo de matadores não foi avisado disso? Morte encomendada, de gente graúda, com risco de troca de tiros, e com esse grau de amadorismo?
- A hipótese aventada é que o alvo residiria perto daquele quiosque, algo em torno de 200 metros de distância. Ora, a polícia está sugerindo que o miliciano mora no Vivendas da Barra ou em endereço vizinho a este condomínio? Esta proximidade não deveria trazer mais perguntas do que assertivas no processo investigativo?
- Sabendo que o filho do miliciano andava com seguranças armados, os assassinos foram só em um carro? Somente em quatro? Sem grupo de apoio, ou retaguarda? Estaríamos falando de uma tropa de elite assassina? Mas eles não nos foram vendidos como amadores?
- Após a comoção social a polícia divulga um áudio interceptado que além da baixíssima qualidade, em nada comprova sua ligação com o crime. Esse áudio é datado de quando? É no mínimo estranho que tal elemento apareça justamente quando a tese de crime por motivação política ganhava o foco principal de toda a imprensa. Foi como “tirar um coelho da cartola” ...
- Estranho também é a tese esboçada de que o crime seria resultado da ação de traficantes. Ora, na malemolência carioca, todos sabemos que traficante não se mete em guerra de milicianos, de milícia contra milícia.
- Nesse caso, a videoconferência entre traficantes tem mais chance de ter sido um arremedo do que uma solução. Primeiramente, por ter sido permitida. Em segundo lugar, por ter sido oficialmente divulgada. Em terceiro, porque resultou no julgamento e sentenciamento pelo tribunal do tráfico. Com todo respeito, isso tem cheiro de solução encomendada, tipo: ou vocês resolvem essa parada ou vamos infernizar os negócios de vocês. Se isso tiver acontecido, o tráfico foi lá e fez.
- Cadê o carro usado na ação? O caso é encerrado sem nem ter acesso ao carro? É assim mesmo que funciona? “É verdade este ‘bilete’”?
- Reforça essa percepção o fato da polícia prontamente acatar o recado do tráfico e dar o caso por encerrado, terceirizando para a bandidagem a apuração do crime. Ao fazer isso o Estado assina sua função meramente decorativa, com corretamente apontou o jornalista Otávio Guedes;
- Ainda sobre a DHPP do tráfico, espanta a vontade de sepultar rapidamente as investigações, de dar o caso por encerrado. A pergunta é: por que?
- Lembro a você que a mesma polícia que há cinco anos não consegue, ou não quer, esclarecer o caso do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, em um dia solucionou o assassinato dos médicos, sendo um deles irmão da combativa deputada federal pelo PSOL/SP Sâmia Bonfim, casada com o não menos corajoso deputado federal do PSOL/RJ Glauber Braga.
- Lembro que parece que o crime organizado do Rio, leia-se milícias, tem predileção por parlamentares “psolistas”. Foi da milícia que partiu as ameaças a Marcelo Freixo, então deputado pelo PSOL. Se o crime na Barra tiver conotação política, de aviso, recado a um parlamentar do PSOL, saiba que a jurisprudência desse tipo de crime não vem do CV (Comando Vermelho), mas das milícias.
- Por fim, é muito estranha a falta de policiamento ostensivo na região, no local. Há muitos locais da cidade em que a PM não se faz presente. No entanto, a orla da Barra da Tijuca não é um deles. Ao longo dela é comum encontrar 3, 4, até 5 viaturas da PM, especialmente perto de hotéis como o WINDSOR que recebeu o congresso de médicos. Esse sumiço das viaturas é tão estranho quanto o apagão das câmeras de filmagem do trânsito na noite em que Marielle e Anderson foram assassinados. É preciso indagar se as viaturas estavam em ocorrência, se estavam em desvio de função, ou se foram propositalmente retiradas da região naquela trágica noite.
Termino dizendo que estou em oração para que Deus conforte os familiares de todos os mortos desse caso. Oro especialmente por Sâmia e Glauber para que Deus os fortaleça no importante trabalho que realizam. Intercedo também para que Deus faça brilhar o sol da Sua Justiça sobre esse episódio, tendo em vista que uma rigorosa e confiável investigação, conquanto não devolva quem partiu precocemente, atenua a dor dos familiares e amigos enlutados. É um término, um desfecho desta coluna que faço com perplexidade (pela brutalidade e possíveis implicações do fato); tristeza (pela morte de gente boa) e inquietação (sobre os rumos do caso).