Mudança da sede de do Governo do Estado de São Paulo irá desapropriar Igreja evangélica centenária e de referência social

Mudança da sede de do Governo do Estado de São Paulo irá desapropriar Igreja evangélica centenária e de referência social
Palácio dos Campos Elíseos. Créditos: Carlos Pires

O governador do Estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), lançou no último dia 27 de março, um concurso arquitetônico para transferir a sede do governo estadual de volta ao Palácio dos Campos Elíseos, na região central da cidade. Para isso, serão necessárias várias readequações físicas do entorno do palácio para abrigar todas as secretarias estaduais, transformando os arredores numa espécie de Brasília. Para quem não conhece a região, foi ali que a cracolândia se instalou nas últimas décadas e, apesar de seu espalhamento por outros bairros, ainda abriga muitos usuários e dependentes químicos.

O projeto, que deve custar em torno de R$ 4 bilhões, dependerá obrigatoriamente da parceria público-privada. Algo na linha do finado Nova Luz, criado em 2005 e que previa a revitalização de um bairro que já foi um dos mais ricos da Capital, mas que foi afetado por uma degradação cruel iniciada com a falência dos barões do café que ali construíram suas mansões e palacetes no começo do século XX. Incapaz de atrair o interesse da iniciativa privada, o Nova Luz foi cancelado em 2013.

Curiosamente, foi a transferência da sede do governo do Palácio dos Campos Elíseos para o Morumbi, em 1965, que acelerou ainda mais a decadência do entorno. O retorno da sede administrativa ao local “aproximará a gestão da cracolândia e finalmente o problema será resolvido”, segundo o governador. Me custa a entender como. As iniciativas imobiliárias construídas na região dos bairros da Luz e Campos Elíseos, impulsionadas pela gestão municipal de João Doria (2017-2018), não foram direcionadas à população que vive nesses bairros. O nome cracolândia carrega um estigma que afeta socialmente e geograficamente toda a região. Moradores, comerciantes, trabalhadores, passantes... não importa quem sejam. Se estão nos espaços chamados de cracolândia são todos tratados como viciados e cidadãos de segunda categoria e, portanto, não são incluídos nos projetos de expansão imobiliária. 

Vejamos a nova proposta de Tarcísio: as desapropriações necessárias para a construção de 13 torres para abrigar as secretarias e órgãos estaduais incluem dois prédios residenciais afetando aproximadamente 200 famílias. O projeto informa que será construído um prédio residencial para 130 famílias de “movimentos populares”, ou seja, não são para as pessoas que terão que sair de seus lares. Não há informação sobre ressarcimento ou o que será oferecido a elas. 

Outra mudança que afetará diretamente a população será a transferência do terminal de ônibus Princesa Isabel para não se sabe onde. A praça, hoje cercada por grades que impedem qualquer utilização pelos moradores e passantes do bairrodesde meados de 2023, também pode ter seu desenho afetado. E o espaço, que um dia foi de convivência, continua uma incógnita.

Outro edifício que deve ser desapropriado é a sede da Primeira Igreja Batista de São Paulo (PIB), localizado na rua Guaianazes, desde 1917. Além de abrigar o atual santuário, o prédio da PIB tem andares destinados à educação e outras atividades religiosas. O local também recebe grupos missionários de fora da cidade e que ficam albergados ali enquanto estão no serviço religioso ou de passagem. 

Além disso, o espaço é uma referência para outras igrejas, que podem usar suas instalações para reuniões e debates. Tanto que, por anos, foi o endereço oficial das reuniões da Rede Social do Centro, organização social sem fins lucrativos formada por igrejas e sociedade civil para promover eventos de atenção à população mais vulnerável do Centro de São Paulo. Finalmente, a Igreja Batista no Brasil, por meio da Junta de Missões Nacionais, financia as ações da Cristolândia, que acolhe e atende dependentes químicos não apenas na região central da cidade, mas em diversos pontos do País.

Nada disso aparece na proposta megalomaníaca de Tarcísio. Não há menção à construção de espaços de acolhida e vivência para os usuários e dependentes químicos. As 200 famílias que serão obrigadas a sair de seus lares e o desmonte de uma comunidade religiosa centenária e que é referência na história da cidade não importam. Assim como a população que mora e trabalha no entorno e que terão suas rotinas diretamente afetadas por uma obra que tem um viés claro de gentrificação. Apenas mais um grande projeto para aumentar o apartheid social da população da região central de São Paulo.  

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Ana Trigo, jornalista, é mestra e doutora em Ciência da Religião pela PUC-SP. Pesquisadora acadêmica sobre a cracolândia desde 2013, é autora da dissertação “Quando Deus entra, a droga sai”: ação da Missão Belém e Cristolândia na recuperação da dependência química na cracolândia de São Paulo; e da tese “Mulher é muito difícil” – o (des)amparo público e religioso das dependentes químicas na cracolândia de São Paulo. Faz parte dos grupos de pesquisa do LAR (Laboratório de Antropologia da Religião – Unicamp) e do GEPP (Grupo de Estudos Protestantismo e Pentecostalismo – PUC-SP). Também integra o coletivo Mulheres EIG – Evangélicas pela Igualdade de Gênero de São Paulo.