Respiro de resistência a Trump veio de uma bispa

Respiro de resistência a Trump veio de uma bispa

Já nas primeiras horas no cargo de presidente dos Estados Unidos, Donald Trump assinou decretos que impactam a vida de milhões de pessoas, especialmente de grupos subalternizados como migrantes, negros e pessoas LGBTI+. Rapidamente, ativistas de direitos humanos, organizações não governamentais e promotores de justiça reagiram, prometendo tomar medidas para preservar os direitos subtraídos pelas canetadas presidenciais. Mas a imagem de resistência aos atos de Trump que tem rodado o mundo veio de dentro de uma igreja.  
Na terça-feira (21), durante um serviço inter-religioso, parte das celebrações da posse do republicano, a reverenda Mariann Edgar Budde apelou diretamente ao novo presidente por misericórdia às pessoas LGBTI+ e migrantes, dizendo ainda que muitas famílias estão com medo do futuro. "Há crianças gays, lésbicas e transgêneros em famílias democratas, republicanas e independentes, algumas que temem por suas vidas", disse em um trecho. Em outro momento, Budde afirmou: "Peço que tenha misericórdia, senhor presidente, daqueles em nossas comunidades cujos filhos temem que seus pais sejam levados embora". No mesmo sermão, a religiosa também elencou caminhos para a unidade da nação: humildade, dignidade e honestidade. 

Em resposta, o novo presidente publicou em redes sociais que "a suposta bispa que discursou no Serviço Nacional de Oração na terça-feira de manhã era uma radical de esquerda que odeia Trump". Alguns de seus apoiadores pediram que a religiosa seja adicionada à lista de deportação. Budde nasceu nos Estados Unidos.

Aos 65 anos, Budde é bispa episcopal de Washington (trata-se da Comunhão Anglicana), responsável por 86 comunidades e dez escolas no Distrito de Columbia, como afirma o site oficial de sua  diocese. A página também afirma que "ela acredita que Jesus convida todos os que o seguem a lutar por justiça e paz, e a respeitar a dignidade de cada ser humano. Para esse fim, a bispa Budde é uma defensora e organizadora em apoio a preocupações com justiça, incluindo equidade racial, prevenção da violência armada, reforma da imigração, inclusão total de pessoas LGBTQ+ e o cuidado da criação".

Já no primeiro mandato de Trump (2017-2021), a líder religiosa criticava o presidente. Um dos momentos mais marcantes foi em junho de 2020, após Trump caminhar até a igreja St. John's com uma Bíblia na mão em meio aos protestos antirracistas liderados pelo movimento Black Lives Matter.  

"O Deus a quem sirvo está do lado da justiça. Jesus chama seus seguidores para imitar seu exemplo de amor sacrificial e construir o que ele chamou de Reino de Deus na Terra", Budde escreveu em artigo de opinião publicado no The New York Times. "Como seria o amor sacrificial de Jesus agora?", completou.    

Em um momento em que as democracias ocidentais vivenciam múltiplas crises e que forças extremistas de direita ganham espaço, os religiosos têm sido classificados, especialmente por atores ligados à visão progressista, como grandes vilões antidemocráticos. É bem verdade que, ao observar a atuação de grupos religiosos em diferentes países, notamos que, especialmente, uma elite política-religiosa-empresarial tem provocado fricções significativas na democracia, além de tentar barrar a ampliação e manutenção de direitos fundamentais.Essa ação antidemocrática, contudo, não totaliza a presença pública religiosa e encontra resistência entre as pessoas que se assumem do mesmo segmento religioso. Há pessoas que, por conta de sua fé, defendem os valores democráticos e os direitos fundamentais. Isso sempre aconteceu. Reconhecer essa diversidade religiosa e considerar essas figuras como aliadas em coalizões pró-direitos pode ser um passo frutífero. Contradições e limitações todos nós temos, religiosos ou não. Mas há objetivos em comum que podem nos conectar.  


Jeferson Batista é jornalista formado pela PUC-Campinas, com mestrado em Antropologia Social pela Unicamp. Atualmente, está cursando o doutorado na mesma área e universidade. Já contribuiu para a Folha de S.Paulo, Estadão, Revista piauí e outros veículos. Além disso, realiza pesquisa de campo com grupos cristãos que atuam no campo dos direitos humanos.