Relação entre pastores e jovens inseridos no crime tem duas faces
É fácil constatar que hoje na sociedade brasileira as ideias contrárias aos direitos humanos tem tido grande aceitação. Uma delas costuma se mostrar naquela frase que diz que “bandido bom é bandido morto”. De modo lamentável, esse tipo de fala tem repercutido amplamente também no espaço das igrejas, tendo boa parte das lideranças evangélicas bolsonaristas aceitado esse mote, conforme eu mesmo escutei da boca de alguns pastores.
Sobre isso eu tenho falado que para a igreja, isto é, para a igreja que crê em Jesus Cristo, que crê naquele que ressuscitou dentre os mortos, que ressuscitou mortos, que curou leprosos, que deu a visão aos cegos, para essa igreja, bandido bom é bandido recuperado. Acho que aí está posto algo muito importante de ser considerado quando tratamos da aproximação entre igrejas e crime organizado, assunto que esteve em debate nesta semana devido a um vídeo que viralizou no twitter e que foi repercutido também entre os jornais, em que se vê dois homens encapuzados, um deles portando uma arma, entrando numa igreja durante o culto para logo em seguida pedir ao pastor que este ore por eles. Apesar de se tratar de uma encenação, o vídeo trouxe à tona um debate a respeito de um problema real.
Diante desse problema, penso que é fundamental termos em mente que as igrejas pentecostais da periferia são frequentadas, não somente, mas também, por pessoas que têm alguma relação familiar com o jovem que está envolvido no tráfico de drogas. A mãe, a tia, a avó, os fiéis que frequentam as igrejas vivenciam os problemas do tráfico dentro de seus próprios lares. Para mim isso fica evidente no trabalho que realizo como capelão prisional. Nas penetenciárias que visito há mais de 20 anos, o que mais encontro são filhos e netos de evangélicos. Nesse sentido, penso que para muitos pastores e para muitos evangélicos que tem parentes imersos no tráfico o que está posto não é a aceitação da condição dessa pessoa, mas sim a vontade de recuperá-la, de convidá-la para a igreja.
Ou seja, nesses casos, o pastor que abre as portas da igreja para o jovem envolvido no tráfico não têm uma relação com o crime em si. Sua intenção é antes a de orar por esse indivíduo, e não abençoá-lo, tampouco “fechar o corpo” dele para a guerra, como ocorre na encenação que viralizou pelo twitter. É verdade que alguns pastores parecem assumir essa postura. Mas o interesse de muitos pastores, e aqui eu me incluo, é o de recuperar esse jovem, proporcionando-lhe o início de uma transformação na sua vida.
Eu recebo muitos jovens oriundos do crime, a maior parte deles detidos em função de furtos, assalto à mão armada, tráfico de drogas, ou seja, crimes geralmente relacionados ao consumo e ao tráfico de drogas, os quais são os maiores motivos de prisão de jovens no Brasil.
Enquanto pastores, acredito que quando um jovem desses manifesta espontaneamente o desejo de vir para a nossa instituição, nosso papel deveria ser o de absorvê-lo, para então tentarmos convencê-lo a deixar aquela vida. Com diz os versos do rapper Fábio Brazza, deveríamos pedir a esses jovens que eles “joguem as mãos para o céu e as armas no chão”. Nossa tentativa é essa, a de retirar o adolescente do tráfico de drogas.
Acredito que em grande medida a igreja, até mesmo por ser frequentada pelos parentes desse jovem, têm condições de fazer esse trabalho com êxito, isto é, pode aproximar-se do jovem que se encontra no tráfico de drogas para a partir daí oferecer a ele outra alternativa. Essa seria a forma correta de as igrejas se aproximarem dos jovens que participam do tráfico de drogas. Muitos pastores agem nessa direção.
Numa direção diferente, estão aqueles pastores que se aproximam do tráfico de drogas visando com isso estabelecer uma relação que lhe traga algum tipo de vantagem. Penso em casos como aqueles noticiados no Rio de Janeiro, onde já se verificou ações violentas de perseguição às religiões de matriz africana, ações praticadas por traficantes e respaldada por pastores. Ou seja, a forma errada de a igreja se aproximar dos sujeitos envolvidos com o tráfico existe, e precisa ser debatida. Esse debate, contudo, poderia ser mais frutífero se todos compreendessem que esse exemplo verificado no Rio de Janeiro não representa o trabalho que vem sendo desempenhado por muitos pastores que se aproximam do jovem envolvido no tráfico de drogas.
A defesa da vida promovida por muitos evangélicos não é universal: ela coincide, portanto, com a agenda apresentada por Bolsonaro e aceita por eles. Isso explica porque os mesmos líderes evangélicos que foram atores na promoção do desarmamento no primeiro mandato de Lula, agora sejam armamentistas. Qual a posição do Messias? É a ele que eles seguem.
A vida, ressignificada pela religião, passa a acolher a violência política como indispensável na luta contra os inimigos da fé, uma característica do bolsonarismo radical que encontrou acolhimento entre muitos evangélicos. O uso da fé como instrumento de divinização da luta política se traduz, então, na aceitação da violência, intolerância e abuso contra aqueles que são considerados adversários.
Não: a família de Marcelo não recebeu, e provavelmente não receberá qualquer consideração das maiores denominações evangélicas do país. Muitas delas só se importam hoje com o TSE, e com urnas supostamente fraudadas: as mesmas que elegeram por mais de vinte anos o profeta, sacerdote e rei do messianismo político evangélico.