Quando a desinformação alimenta a intolerância
Na semana passada, a repercussão nas redes sociais e na imprensa de um vídeo no qual o pastor Tupirani da Hora Lopes, da Igreja Geração Jesus Cristo, aparece desejando a morte dos membros do Supremo Tribunal Federal, despertou reações de apoiadores, que viram ali o exercício da liberdade religiosa, e de críticos, que destacaram ser, na verdade, um caso flagrante de intolerância e discurso de ódio. A circulação e recepção do vídeo fornece um exemplo claro de como o tema da intolerância pode ganhar diversas expressões.
Em primeiro lugar, o conteúdo das intervenções desse pastor legitimam a identificação, na experiência religiosa dele e dos fiéis que o seguem, de um nítido caráter de seita. O grupo religioso ao qual pertence o pastor Tupirani Lopes se orienta por uma conduta sectária, que advoga para si uma verdade única, que deve ser defendida por meio da condenação de todos os que não concordam com ela. Conforme evidencia o caso comentado, esse tipo de condenação pode assumir a forma de ataques violentos dirigidos aos grupos vistos como antagonistas.
O caráter de seita identificado na postura e nos discursos do pastor Tupirani é compreendido aqui de acordo com o emprego que as abordagens das ciências da religião faz dele. Ao utilizar esse termo, não se pretende, pois, desmerecer uma dada experiência religiosa, nem defender a exclusão de qualquer grupo religioso. O propósito é somente chamar atenção para o fato de que, pelas características do discurso e da prática deste líder religioso, podemos classificar o perfil de sua igreja por meio da categoria de seita.
Em segundo lugar, a circulação e a repercussão do vídeo aqui comentado evoca um outro tipo de intolerância. Apesar de ter viralizado na última semana, isto é, algum tempo após a prisão e condenação do pastor Tupirani, ocorridas respectivamente em fevereiro e junho deste ano e motivadas por outras intervenções de intolerância dele, o vídeo circulou como se fosse atual. Isto expressa, portanto, um processo de desinformação cujo resultado promove o aumento da intolerância. Sem o cuidado de situar o tempo em que o vídeo foi gravado, muitas pessoas que o assistiram fizeram comentários pejorativos contra os evangélicos, vários deles assumindo um tom de ataque generalizante, como se todos evangélicos fossem adeptos da Igreja Petencostal Geração de Jesus Cristo e como se o pastor Tupirani representasse todos os pastores.
Nesse sentido, a desinformação retroalimenta a intolerância. Por um lado, no dia 30 do mês passado, tivemos o caso inédito na história do Brasil de prisão de uma liderança evangélica, por crimes de ódio contra a comunidade judaica. Por outro lado, na semana passada, críticos e jornalistas, ao comentarem e repercutirem um vídeo antigo desta liderança, sem o conhecimento da história de sua Igreja e de sua prisão, abriram caminho para novas demonstrações de intolerância.
Vivemos, de fato, num momento muito difícil de expressões intensas de intolerância, haja vista seu enraizamento no espaço público. Trata-se de um problema grave, que deveria ser objeto de preocupação das instituições que asseguram a coexistência, no espaço público, de grupos religiosos e não religiosos. Ao mencionarmos aqui a reação dos críticos à intolerância do pastor, o propósito é justamente destacar a seriedade desse problema. Seja por desconhecimento ou ignorância, eles agem alimentando a intolerância, criticando genericamente grupos e personagens a respeito dos quais pouco ou nada sabem.
Por fim, do ponto de vista dos evangélicos, é importante pontuar também que as práticas de intolerância nem sempre se concretizam de maneira tão abertamente explícita e violenta como no caso da fala do pastor Tupirani da Hora Lopes. Um exemplo disso pode ser observada no universo musical. Há décadas as canções gospel trazem em suas letras a temática da guerra santa, no interior da qual se professa a ideia de um povo escolhido, que seria superior aos outros grupos. A temática militar presente nessas músicas atendem a uma doutrinação, pela canção e pela palavra, que desemboca no fechamento à diverisdade, ao Outro, e estimula ações que podem, lamentavelmente, assegurar a existência de denominações religiosas afinadas com o modelo de seita. Também por isso, pelo fato de a intolerância religiosa por parte de evangélicos ser um fenômeno que não se reduz às demonstrações explícitas de ódio, a crítica a essa intolerância deveria redobrar o cuidado para não se orientar pela desinformação.