Por que mal se fala hoje sobre catolicismo e política?
Nos últimos anos, o foco dos debates políticos no Brasil tem sido amplamente direcionado para entender o papel dos evangélicos nas eleições presidenciais. No entanto, em meio a essa atenção, surge uma pergunta crucial: e os católicos? Como a maior nação católica do mundo, qual é o lugar deles no espectro político conservador brasileiro?
Um grupo de pesquisadores, composto por sociólogos, historiadores, cientistas políticos e antropólogos, se reuniu para explorar essa questão no Instituto de Estudos da Religião (ISER). O ponto de partida é a notável ausência do catolicismo nos debates contemporâneos sobre conservadorismo no Brasil, apesar do histórico de influência que movimentos católicos leigos exerceram desde o início da República.
Existem três razões principais para essa invisibilidade do catolicismo conservador. Primeiramente, muitas análises tendem a focar nas alas mais progressistas do catolicismo, como as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), ou em segmentos conservadores internos, como o movimento carismático. Isso pode ser atribuído à própria trajetória dos pesquisadores, frequentemente ligados aos setores progressistas ou carismáticos da igreja.
Em segundo lugar, a relação entre religião e conservadorismo frequentemente é analisada através do prisma do comportamento eleitoral, o que limita o escopo da investigação ao voto e à dinâmica político-partidária. No entanto, a participação eleitoral dos católicos pode ser menos pronunciada devido à sua grande população autoidentificada e à frequência variável nas atividades religiosas.
Em terceiro lugar, o ativismo católico conservador tende a ser menos visível e mais discreto do que o evangélico, não se destacando tanto na esfera política eleitoral. Isso torna sua atuação mais orgânica no Estado brasileiro e menos focada em eleições.
Diante dessas considerações, os pesquisadores optaram por deslocar o foco das disputas eleitorais para o Judiciário, onde a agenda conservadora católica tem ganhado força. Questões morais como aborto, gênero, sexualidade e família são cada vez mais debatidas nesse contexto jurídico.
A pesquisa realizada ao longo de um ano e meio identificou dezenas de associações jurídicas católicas que atuam regularmente no judiciário brasileiro, como a União dos Juristas Católicos de São Paulo (UJUCASP) e a União dos Juristas Católicos do Rio de Janeiro (UJUCARJ). Esses grupos surgiram principalmente na década de 2010 e desempenham um papel significativo na formação de advogados e na promoção de causas conservadoras. Além disso, o financiamento dessas atividades revela uma rede internacional de apoio financeiro, inserindo os grupos católicos brasileiros em um contexto global de judicialização das questões morais religiosas.
Em suma, o ativismo jurídico católico no Brasil está emergindo como uma força influente na defesa de valores conservadores, especialmente nos tribunais, onde molda a interpretação e aplicação da lei em questões fundamentais para a sociedade brasileira. Este estudo representa um importante passo para compreender o papel dos católicos no conservadorismo brasileiro e as nuances da sua atuação na esfera jurídica.
*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.
Rodrigo Toniol é professor de Antropologia da UFRJ e do programa de pós-graduação da Unicamp. Presidente da Associação dos Cientistas Sociais da Religião do Mercosul. Ele pode ser contatado pelo Twitter e pelo Currículo Lattes ou pelo email rodrigo.toniol@gmail.com