Os sinais da escravidão permanecem entre nós

Os sinais da escravidão permanecem entre nós. Eles são perpetuados sob a forma de racismo: seja o religioso, seja o étnico (cor da pele), seja o social. Não há democracia em territórios que normalizam os sinais e as seqüelas do período escravocrata.

Os sinais da escravidão permanecem entre nós
Crédito: Carta Capital

Não se acostume com a realidade. O primeiro passo para uma transformação pessoal e social está nos questionamentos que produzimos. A indagação pode instaurar um processo de transformação. O saudoso bispo católico Dom Helder Câmara dizia: “se alimento os pobres, me chamam de santo; porém se pergunto o porquê da sua existência, me chamam de comunista”. O que Dom Helder tão somente queria é que não fosse necessário todo um trabalho de socorro social, uma vez vivendo em uma sociedade com tanta riqueza, conquanto separada por um abismo que isola os mais ricos dos miseráveis.

Um bom exemplo desse exercício é se perguntar o porquê da maioria da população de rua ser preta; do por que da maioria dos moradores de favelas serem pretos; o porquê de as pessoas mais humildes serem obrigadas a viver com um salário mínimo que não lhes garante uma condição mínima de vida; do por que as classes A e B terem tanta dificuldade em dividirem um vôo com gente da classe C, como bem lembra o Professor Jessé de Souza; o porquê de os palácios do consumo chamados de shopping-centers por vezes monitorarem pretos que adentram em seus espaços. Ora, por que os corredores do shopping são restritos se sua proposição é ser um entreposto comercial para o exercício do livre consumo?

Poderíamos estender isso para o campo religioso. Por que as principais e maiores membresias evangélicas, ou ainda as mais abastadas congregações, não possuem pastores pretos na sua histórica linha de liderança? Por que os algoritmos denominacionais escondem os bons oradores pretos nos seus congressos? Por que pastores pretos, para driblarem esses “algoritmos”, precisam fazer o jogo da liderança branca, a fim de se perpetuarem ou mesmo progredirem na carreira denominacional? Por fim, por que a ideia de um Jesus preto/pardo é tão refratária entre cristãos brasileiros? Por que só serve o Jesus “Gary Oldman”?

Sim, caras leitoras e caros leitores. Os sinais da escravidão permanecem entre nós. Eles são perpetuados sob a forma de racismo: seja o religioso, seja o étnico (cor da pele), seja o social. Só vai mudar quando tudo isso não for mais normal para mim e para você. Quando os espaços estiverem acessíveis a todos e todas. Que tal começar agora seu processo de questionamento da realidade como ela se apresenta? Não há mais tempo a perder. Não há democracia em territórios que normalizam os sinais e as seqüelas do período escravocrata.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Pr. Dr. Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek é Mestre e Doutor em Ciência da Religião (UFJF/MG); Pastor na Igreja Batista Marapendi (RJ/RJ); Professor do Seminário Teológico Batista Carioca. Autor de Bíblia e Modernidade: A contribuição de Erich Auerbach para sua recepção e co-organizador de: Fundamentalismo Religioso Cristão: Olhares transdisciplinares; e O Oásis e o Deserto: Uma reflexão sobre a História, Identidade e os Princípios Batistas.