Os perigos do conservadorismo

Os perigos do conservadorismo

Em uma edição da Lições Bíblicas, da CPAD, no segundo trimestre de 2023, há duas lições que trazem críticas ao chamado ensino progressista e alertam para as deturpações da doutrina bíblica do pecado. Contrapondo pecado social e pecado moral, nelas o público leitor encontra considerações sobre o enfraquecimento da responsabilidade moral do pecador e também sobre os perigos da erotização da infância e o perigo à família (CPAD, 2023, p. 11).

Em perspectivas como essa, quando se toma a sexualidade como ponto privilegiado para a noção de pecado, o pecador se torna o único responsável pelo pecado que comete. Será ele o alvo de todo o escrutínio, de toda a análise, de toda a avaliação, de todo o julgamento.

No curso Os anormais, Foucault menciona que duas noções eram muito fortes no meio científico do séc. XIX: perversão e perigo. Uma vindo do campo médico, outra do jurídico. A perversão, por um lado, estaria ligada à sexualidade. Raiz de todas as outras anomalias, a anomalia sexual deveria ser combatida com todos os recursos. Ciências como a Psiquiatria dedicaram uma atenção especial no sentido de desenvolver uma série de conceitos e técnicas a fim de identificar essas condutas pervertidas e trata-las a contento.

Por outro lado, ao lembrarmos da noção de perigo, essas condutas pervertidas representavam uma ameaça à sociedade. Pessoas com condutas sexuais consideradas anormais/não naturais desafiavam a boa ordem, condizente com uma sociedade capitalista e industrial que estava em franco desenvolvimento na Europa Central. Foucault argumenta que essa nova fase do sistema capitalista necessitava de corpos produtivos, não corpos de prazer. As pessoas de bem, trabalhadoras, que colaboravam para o bem da sociedade, não poderiam ter uma conduta sexual que não fosse a heteronormativa.

Não seria estranho aproximar a “erotização da infância” no discurso teológico atual com o discurso psiquiátrico do séc. XIX. Foucault inclusive aponta para essa conexão ao fazer uma reflexão sobre a confissão cristã no mesmo curso. Ao mesmo tempo que se privilegia o julgamento do pecador, se esfumaça a possibilidade de pensar no contexto social dentro das quais se deu o pecado. Moralizar o pecado, nesse sentido, seria pôr o foco sobre a pessoa e não sobre as circunstâncias que concorreram para que isso acontecesse, por mais ofensivas à moralidade que elas fossem.

Indo mais além, pôr o foco sobre o pecador, reforçando o aspecto moral, viabiliza toda uma construção teórica e institucional que começa a produzir pecados. Fazemos menção aqui à noção produtiva do poder na obra de Foucault. Usando de discurso científico, o poder tem a capacidade de produzir corpos e subjetividades. Se seguimos seus passos, a Teologia, como ramo da ciência, estaria a serviço de instituições, difundindo relações de poder produtivas. Chamativo parentesco com essa publicação mencionada anteriormente.

* Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


João Barros  é doutor em Filosofia (UNISINOS) e doutor em Ciências Sociais (UBA-AR). É autor de Poder pastoral e cuidado de si em Michel Foucault (2020) e Biopolítica no Brasil – uma ontologia do presente (2022), dentro do qual aborda o racismo de Estado. Atualmente atua no Programa de Pós-graduação em Integração Contemporânea da América Latina na UNILA.