Os Batistas são mais fiéis (ao Bolsonaro)

Os Batistas são mais fiéis (ao Bolsonaro)

O projeto de poder dominionista continua a todo vapor. Os barões da fé seguem instrumentalizando seus rebanhos e outros incautos no pernicioso projeto de transformar a Igreja Evangélica em senhora do Estado. Sim, é uma espécie de desforra do período católico que nos aguarda, se esta versão tupiniquim do Conto de Aia lograr êxito. Conquanto estejamos na torcida e no espaço público disputando essa "narrativa", visando a permanência da laicidade no Estado, reconheçamos: o perigo de se ter um evangelistão, uma "Gileade" com as figuras mais controversas do mundo (ou seria submundo?) evangélico é grande.

Ocorre que os protagonistas desse projeto estão sendo mudados. Bolsonaro, um antítipo cristão, vem sendo descartado como essa ponte para a chegada de um "homem de Deus" (sim, homem, porque a misoginia impede o reconhecimento de mulheres bem mais capazes; e sim, de Deus porque para essa massa fundamentalista, católico, como ele mesmo se definiu, não é crente). Não é à toa que seu primogênito, após o impedimento de nova candidatura do Derrotado nas próximas eleições presidenciais de 2026, vem se esforçando para garantir certa identificação com o segmento evangélico, o que pode ser visto no seu terceiro batismo nas águas realizado recentemente.

A importância desse fato está na disputa interna, na classe política, pelo lugar de protagonismo, pela herança desse capital político; no campo evangélico, por sua vez, está nos acordos que serão celebrados em torno desse projeto político. Como no campo político, há uma disputa deflagrada pelos rumos deste apoio entre as lideranças evangélicas. Uma fissura foi aberta no núcleo duro do bolsonarismo evangélico. Já não há tantos pastores defendendo o Derrotado; já não há tantas lideranças consignando apoio público ao investigado. Ao que tudo indica, está chegando para Bolsonaro o tempo de Nabucodonosor (Daniel 4:31-33) no qual o rei perde o crachá de ingresso no Palácio e passa a pastar como gado. Sugestiva imagem, não? A meu favor: ela é bíblica, não se tratando de minha invenção.

O número de fiéis apoiadores ao Derrotado segue diminuindo. Para muitos dos barões da fé, o gosto e apego pelos corredores palacianos é inversamente proporcional ao deserto. Não estão dispostos a sofrer o teste de fogo do profetismo: clamar, ainda que do deserto; falar, ainda que não haja, em tese, ninguém para ouvi-los.

A diminuição desse apoio explícito deve ser de suma importância para o olhar jornalístico. O fracionamento do movimento evangélico não só revela o que ele sempre foi, como mostra também o interesse no poder e não nos seus protagonistas. A fidelidade de muitos nunca foi pessoal, mas sim ao projeto de poder. Ficam para trás Silas Malafaia e mais alguns outros da sua trupe. Ficam também os batistas.

Sim, os batistas são o grupo que, ou pela cegueira ideológica ou pelo caráter fidelíssimo, sempre são os últimos a desacoplarem. Foi assim na Ditadura Militar, que nos seus estertores, recebeu apoio de lideranças batistas, tendo o Presidente Figueiredo sido incensado no Maracanã, em evento promovido e produzido pelo "papa batista brasileiro", Pr. Nilson do Amaral Fanini. Foi uma reedição do apoio popular usado como alegação para o Golpe de 64: sempre na esteira golpista, há uma marcha, uma campanha pelas famílias, ainda que os pés de alguns marchantes sejam ligeiros para encontrar o caminho de outras casas...

Nesse momento de deserção crescente a Bolsonaro, não às ideias do bolsonarismo e da extrema-direita, salta aos olhos que reuniões do PL, da promoção do conservadorismo, ou ainda do "choro da viúva" com missa de corpo presente (o Derrotado em pessoa), se dê em igrejas que levam nas suas placas a identificação de Batistas. Foi o que aconteceu na Igreja Batista Jardim Camburi (Vitória, ES), na Primeira Igreja Batista Brasileira da Flórida (Pompano Beach, EUA) e na Igreja Batista Caminho das Árvores (Salvador, BA). Parece que alguns templos batistas estão se transformando em estufas de certo político em franca decomposição.

Ah batistas desse Brasil! Ah batistas brasileiros! Quantas vezes eu não os quis reunir como uma galinha ajunta, debaixo de suas asas, seus pintainhos? Contudo, vocês não quiseram. E por isso, matam os profetas e apedrejam todos os que lhes enviei. (paráfrase das palavras de Jesus em Mt. 23:37).

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Pr. Dr. Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek é Mestre e Doutor em Ciência da Religião (UFJF/MG); Pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Filosofia da Religião, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF/MG); Pastor na Igreja Batista Marapendi (RJ/RJ); Professor do Seminário Teológico Batista Carioca. Autor de Bíblia e Modernidade: A contribuição de Erich Auerbach para sua recepção e co-organizador de: Fundamentalismo Religioso Cristão: Olhares transdisciplinares; e O Oásis e o Deserto: Uma reflexão sobre a História, Identidade e os Princípios Batistas. Contato: sdusilek@gmail.com