O resultado das eleições municipais escancara a contrariedade da existência de um voto evangélico

O resultado das eleições municipais escancara a contrariedade da existência de um voto evangélico

Talvez os evangélicos e a disputa pelo voto dos eleitores desse segmento tenham sido os temas mais comentados destas eleições municipais. Como já era esperado, foram frequentes as visitas dos candidatos a igrejas, associações com lideranças religiosas e os discursos apelativos na intenção de convencer os fiéis quem era o candidato mais agradável aos olhos de Deus. 

Acreditava-se, então, na existência de um voto evangélico. Só que os resultados do primeiro turno das eleições municipais mostraram que não é bem assim. Pelo menos, ao olharmos para as câmaras municipais do Rio de Janeiro e São Paulo, candidatos apoiados por lideranças religiosas influentes, como o bispo Valdemiro Santiago e Silas Malafaia, não tiveram o sucesso esperado.

Segundo informações do jornal O Globo, Malafaia apoiou o cantor gospel Waguinho (PL), que, com aproximadamente 9 mil votos, ficou de fora da cena política. Deangeles Percy (PSD), representante do grupo da Universal na capital carioca, ficou na suplência, enquanto o vereador Eliseu Kessler (MDB), ligado à Assembleia de Deus de Madureira, não se reelegeu. Dois representantes de Valdemiro, Sandro Alves (MDB), no Rio de Janeiro, e Delegado Roberto Monteiro (União), em São Paulo, também não se reelegeram. 

Em outros municípios do país também houve indicativo de queda de representantes evangélicos eleitos. De acordo com o G1, é a primeira vez em 16 anos que nenhum candidato ligado a alguma igreja ficou entre os três mais votados. Fred Ferreira (PL) foi o evangélico mais bem colocado na lista geral, tendo ficado em 15º lugar, com 11.804 votos. Em Petrolina, dos quatro vereadores evangélicos que se candidataram, dois se reelegeram. 

Ainda não se sabe em que medida esses resultados impactaram numericamente nas bancadas evangélicas municipais, mas é visível que o jargão “irmão vota em irmão” não reflete o comportamento eleitoral daqueles que dizem pertencer a esse agrupamento religioso. As derrotas de candidatos apoiados por figuras que teriam grande influência sobre os membros de sua igreja escancaram as contrariedades que decorrem da tese de que existe um voto evangélico.

Desde que os evangélicos começaram a ocupar os espaços do legislativo a partir da Constituinte, e as igrejas Assembleia de Deus e Universal lançaram seus candidatos oficiais, nasceu a hipótese de que eleitores, simplesmente por se associarem a uma religião, teriam o mesmo comportamento eleitoral. E é com base nisso, que candidatos planejam sua campanha política, com o objetivo de fisgar o voto desse eleitor, como se todos fizessem parte de um único grupo, homogêneo e que vota mediante a sua fé. 

Já escrevi nesta coluna outras vezes e é falado recorrentemente por outros pesquisadores que utilizar a categoria “evangélicos” para se referir a um grupo, com características pré-determinadas e valores, modos, comportamentos e maneiras de pensar é um tanto equivocado. Inúmeros pesquisadores, como Joanildo Buriti, Magali Cunha, Carô Evangelista e outros que estudam as interseções entre Política, Religião e Sociedade alertam para o fato de que há uma série de fatores que precisamos considerar ao falar deste segmento, a começar pelas várias denominações que compõem este agrupamento religioso e que, embora tenha como embasamento a Bíblia, possui diferentes formas de interpretá-la.

Inúmeros veículos de comunicação noticiaram que o voto evangélico seria capaz de decidir as eleições em algumas cidades, mas não foi isso que os resultados das urnas evidenciaram. Agora, a disputa no segundo turno entre os candidatos a prefeito em algumas cidades aponta que muitos deles consideram que o “voto evangélico” pode ser determinante para a sua vitória. 

A identidade religiosa não determina o comportamento eleitoral. Estar associado a uma igreja pode ser um fator agregador na escolha de um candidato, mas a crença não é o único ou principal motivo. Antes de ser cristão, o eleitor é assalariado, é um cidadão que enfrenta problemas de mobilidade urbana e saúde pública e está entre a grande massa que sobrevive com um salário-mínimo e depende de programas governamentais para não morrer na miséria. O candidato que entender isso e começar a direcionar sua campanha e atuação política para atender aos anseios da parcela esmagadora de brasileiros, que inclui, inclusive, os evangélicos, terá êxito na conquista do eleitorado, que escolhe o seu voto, certamente, por fatores que estão para além da religião.  

   *Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Michelli Possmozer é Doutora em Sociologia Política, Mestra em Ciências Sociais e graduada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo. Possui experiência como repórter de jornal impresso, comunicação institucional e pesquisas nas áreas de Religião e Política, Sociologia Urbana, Sociologia da Violência, Desenvolvimento Urbano e Políticas Públicas.