O problema é que eles nunca deixaram de estar aqui.

O problema é que eles nunca deixaram de estar aqui.

Na última segunda-feira aproveitamos, como família, a promoção do cinema para vermos o excelente filme "Ainda Estou Aqui". O produtor do filme, que deve trabalhar com o roteirista deste país, não poderia escolher melhor hora para o lançamento. É chocante ver o sofrimento impingido pelo Estado Militar ditatorial às famílias que foram alvo da perseguição dos generais. É excruciante saber que o filme, embora mexa com nossas emoções principalmente a partir das injustiça e violência rememoradas na película, não passa nem de perto do que realmente aconteceu nos porões do faminto Regime.

A ocasião da exibição do filme é sensacional. Coincidiu com a revelação daquilo que muita gente suspeitava: havia um plano em curso para uma virada de mesa no país. Novamente a trama tem a participação militar. Uma espécie de enredo de Gladiador-II: muda-se os atores, não os tipos; mantém-se o local. De fato, não se pode esperar criatividade e inteligência narrativa de militar golpista.

Talvez você não saiba, mas o então SNI nunca deixou de monitorar membros da sociedade civil. Há relatórios, já na Nova República, que dão conta de monitoramento de pastores batistas como Waldemiro Tymchak, Salovi Bernardo, Darci Dusilek, João Falcão Sobrinho, e até o aliado Nilson do Amaral Fanini. Sim, os militares recompensaram a fidelidade canina dos pastores (como foi o caso de Fanini) com espionagem e, não raras vezes, com visível sarcasmo em seus relatórios.

Não é pois de se estranhar que na ABIN de Bolsonaro e de FOLHAgem tivesse ocorrido monitoramento de civis pelo programa espião israelense. Aliás, o STF deveria tirar o sigilo e divulgar os números telefônicos "grampeados". Eles ainda estão aqui; eles nunca deixaram de estar aqui.

Recentemente fui alvo de arapongagem in loco, durante a ministração de um curso sobre evangélicos e ditadura civil-militar. A vantagem é que falta a inteligência necessária aos setores de inteligência das Forças Armadas para não se denunciarem. Se o novo normal é que o serviço reservado seja a casca-de-bala, simbora espalhar as "cascas-de-banana" das quais os militares, por vocação ou afinidade eletiva, não conseguem desviar. Sim, eles ainda estão aqui; eles nunca deixaram de estar aqui.

Urge a discussão sobre o papel e tamanho das Forças Armadas, assim como a revisão da formação a qual são submetidos os cadetes e oficiais em suas respectivas academias. Militar não tem que fazer vigilância política, tampouco monitoramento sobre ideias divergentes. Militar não tem que empregar o conhecimento de táticas e de operações especiais para ficar tramando golpe contra a democracia. Este redimensionamento tem de ser feito, além do sepultamento de qualquer forma de ANISTIA, uma vez que eles ainda estão aqui; eles nunca deixaram de estar aqui.

Torço para que o filme de Walter Salles ganhe o Oscar de melhor filme estrangeiro. Torço também para que Fernanda Torres, cuja atuação foi impecável, ganhe o merecido Oscar de melhor atriz. Espero que este filme se torne de visualização obrigatória em toda escola e universidade do Brasil. É importante resgatar a memória e preservar a História das investidas de uma realidade paralela. Sobretudo desejo nunca mais ter de pensar ou lembrar que eles ainda estão aqui; eles nunca deixaram de estar aqui.

  *Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Pr. Dr. Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek é Mestre e Doutor em Ciência da Religião (UFJF/MG); Pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Filosofia da Religião, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF/MG); Pesquisador em Estágio de Pós-Doutorado pela UEMS (Bolsista CAPES); Pastor na Igreja Batista Marapendi (RJ/RJ); Professor do Seminário Teológico Batista Carioca. Autor de Bíblia e Modernidade: A contribuição de Erich Auerbach para sua recepção e Co-organizador de: Fundamentalismo Religioso Cristão: Olhares transdisciplinaresO Oásis e o Deserto: Uma reflexão sobre a História, Identidade e os Princípios Batistas; e A Noiva sob o Véu: Novos Olhares sobre a participação dos evangélicos nas eleições de 2022.