Novos ecos sobre as impossibilidades de diálogo com o fundamentalismo

Novos ecos sobre as impossibilidades de diálogo com o fundamentalismo

Em sua coluna na Folha de São Paulo de 11/07/2024, Marcos Augusto Gonçalves, em que pese alguns vícios na abordagem pelo que parecer ser uma necessidade de maior letramento evangélico, parece ter feito um strike nos fundamentalistas e no séquito que acompanha este grupo. As reações publicadas no boletim do Observatório Evangélico de 15/07/2024 apontam para isso.

Entre outras coisas Gonçalves não disse nada novo: reage à convocação bilíngue de Paul Freston, mesmo concordando com o argumento esboçado pelo intelectual inglês naturalizado brasileiro e que construiu uma forte e consistente carreira acadêmica aqui no Brasil. Para Freston, e também para este colunista, não há como ter diálogo com os fundamentalistas. Freston fala de diálogo com as bases justamente para evitar o fenômeno de captura do discurso, no qual o governo se encontra.

Logicamente que o texto de um colunista que, ao que tudo indica, guarda certa distância do métier evangélico colherá seus óbices. Não por outro motivo vimos a velha cantilena de que os pentecostais são o problema, estigmatizando-os como alienígenas, e esquecendo da adesão do chamado protestantismo histórico ao Governo Bolsonaro fornecendo, inclusive, vários quadros para a administração federal. Ora, a fé pentecostal, como aponta o Censo, é a da periferia, do Brasil profundo, do contato com a realidade em toda sua crueza, coisa que talvez o colunista da Folha tenha sido privado de ver e sentir.

Todavia, o que assustou foram as reações publicadas, a começar pela confusão de termos e conceitos.

É inadmissível que um doutor em teologia una fundamentalismo com liberalismo. Ora, o primeiro, como qualquer graduando de teologia sabe, é historicamente, no campo da teologia, uma reação ao segundo. Como poderiam estar juntos? O que seria um fundamentalista-liberal? Seria tipo um vascaíno rubro-negro? Ou, quem sabe, um corintiano alviverde? Ou ainda um gremista colorado, quiçá um atleticano-cruzeirense?

Um segundo ponto a ser destacado é que como o fundamentalismo é avesso ao diálogo, segundo preconiza Jurgen Habermas, o encontro nunca resulta na localização de um ponto, de uma pauta comum. Na verdade, aqueles que se dispõem a dialogar com extremistas religiosos somente conseguem sentar na mesma mesa se estiverem dispostos a realizar concessões, a recuarem em suas posições. Por ser uma ideologia que desfigura o Cristo e o cristão, os valores fundantes de gente comprometida com o Evangelho precisam ser pendurados no closet¸ ainda na entrada.

Não por outro motivo um dos articulistas tenha esquecido que sua não desistência do outro se dá em cima de uma base e com um vetor. A base é o lavajatismo e o vetor aponta para a extrema-direita. Prova disso é que com o sinal trocado, o ""evangelho"" ali encarnado não foi capaz de oferecer outra coisa que não a ruptura. Prossegue a inexistência de faces (seja a primeira ou a segunda) para quem visivelmente optou por Lula em 2022. 

A contaminação pelo vírus fundamentalista chega a tal nível que toda uma trajetória e caminhada são desprezadas em nome do mainstream. Tal postura compromete até mesmo a capacidade de interpretação de texto. Em nenhum momento, reitero, Freston defendeu a tese de diálogo com os fundamentalistas. Em parte, penso, por conta de sua honestidade intelectual. 

Na verdade o que este pretenso diálogo tem trazido é o esfarelamento de grupos e instituições que poderiam, porque já fizeram, representar o pensamento democrático contra a extrema-direita transnacional cujos tentáculos aqui estão. Tais reagentes do colunista ainda não se deram conta que serão usados até que a extrema-direita assuma as instituições, para depois haver o descarte. Já faz algum tempo que ela percebeu que não adianta somente tomar o poder político; é preciso esvaziar, sangrar, aniquilar ou mesmo ocupar as instituições sociais para que diferentes setores da sociedade que possuem vozes divergentes ao caminho despótico sonhado e intentado por alguns, sejam silenciadas.

É muito triste contemplar tudo que vem acontecendo.


Pr. Dr. Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek é Mestre e Doutor em Ciência da Religião (UFJF/MG); Pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Filosofia da Religião, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF/MG); Pesquisador em Estágio de Pós-Doutorado pela UEMS (Bolsista CAPES); Pastor na Igreja Batista Marapendi (RJ/RJ); Professor do Seminário Teológico Batista Carioca. Autor de Bíblia e Modernidade: A contribuição de Erich Auerbach para sua recepção e Co-organizador de: Fundamentalismo Religioso Cristão: Olhares transdisciplinaresO Oásis e o Deserto: Uma reflexão sobre a História, Identidade e os Princípios Batistas; e A Noiva sob o Véu: Novos Olhares sobre a participação dos evangélicos nas eleições de 2022.