Na Teocracia o que vale é o Sinédrio

Na Teocracia o que vale é o Sinédrio

A experiência humana diz que toda religião organizada, quanto mais distante historicamente e, principalmente, em termos de ideais, daquele que fundou ou inspirou a fundação de um grupo religioso, estabelecerá uma instância julgadora, inquisidora, persecutória, pelo bem da definição do que se entende como legítimo legado. Este estágio corresponde ao momento em que o grupo religioso perde sua dinamicidade e vivacidade inicial, estratificando-se. Não poucas vezes há o declínio das taxas de crescimento, quando não um decréscimo de fiéis que compõem a base de sua comunidade religiosa. A presença de tais fóruns do poder religioso é um vivo atestado da crise institucional que açambarca o grupo que os criou.

No tempo de Jesus de Nazaré havia o Sinédrio. Composto por 70 líderes, dos quais a maioria eram de saduceus e fariseus, e não poucos sacerdotes, o Sinédrio tinha função de tribunal religioso. Ele carimbava os hereges, além de apontar as ameaças ao judaísmo. Sua leitura da Bíblia de então, era extremamente legalista, isto é, vale o rigor da literalidade da escrita. O problema nunca foi a Bíblia em si, mas sempre o que fizeram com ela...

Este tribunal condenou Jesus, endossando o pedido para sua crucifixão, já que o poder de vida e morte naquela época estava sob domínio romano. Este tribunal mandou prender Pedro, Tiago e João, para averiguação e maiores explicações. Na verdade, um caso clássico de coercitiva, com custódia provisória. A aspiração por trás de tribunais religiosos é que toda terra seja regida pelas leis daquela religião.

É aqui que entra o Judiciário brasileiro...

Ao ser levado, salvo melhor juízo, para um projeto de poder do qual emergiria a áspide facista, o Judiciário não atentou para o risco que ele mesmo corria (e ainda corre), pois na eventual instalação de uma teocracia, a Suprema instância julgadora deixaria de ser o STF para ser um colegiado de religiosos, nem sempre com o melhor preparo, como visto entre as indicações recentes ao Supremo. Sim, seja no fascismo na sua versão instrumentalizadora da religião, seja no fascismo-religioso, cujo fim é teocrático, o enfraquecimento das instâncias judiciais, da vigilância constitucional para que seja mantido o Estado Laico, é líquido e certo. Vide o que ocorreu no "Capitólio brasileiro"...

Portanto, espera-se que o Judiciário se mantenha atrelado aos seus poderes constitucionais, sem interferir nos rumos políticos da nação, como foi feito na prisão de Lula, cuja "prova" mais contundente foi uma lâmina de Power-Point. Para os Magistrados que ainda não conseguiram enxergar o risco, assistam o Conto de Aia. A distopia ali apresentada é o destino para onde caminhávamos, e para onde muitos insistem ainda perseguir. "May the Lord close", deve ser nossa oração e saudação.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Pr. Dr. Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek é Mestre e Doutor em Ciência da Religião (UFJF/MG); Pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Filosofia da Religião, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF/MG); Pesquisador em Estágio de Pós-Doutorado pela UEMS (Bolsista CAPES); Pastor na Igreja Batista Marapendi (RJ/RJ); Professor do Seminário Teológico Batista Carioca. Autor de Bíblia e Modernidade: A contribuição de Erich Auerbach para sua recepção e co-organizador de: Fundamentalismo Religioso Cristão: Olhares transdisciplinares; O Oásis e o Deserto: Uma reflexão sobre a História, Identidade e os Princípios Batistas; e A Noiva sob o Véu: Novos Olhares sobre a participação dos evangélicos nas eleições de 2022.