Motivações para o grande número de estabelecimentos religiosos no Brasil
Os recentes dados do IBGE sobre os estabelecimentos religiosos no Brasil têm recebido destaque na agenda pública. O IBGE contabilizou pela primeira vez o total de endereços no país somando 111 milhões de estabelecimentos (entre públicos e privados, ruais e urbanos). Os estabelecimentos religiosos ocupam o quinto lugar no ranking, somando 580.000 e abrangem não apenas templos e espaços religiosos, mas também locais de assistência social, cultural e esportiva vinculados a essas tradições.
Destaco dois pontos para uma reflexão mais específica. O primeiro deles diz respeito à relação entre o número de estabelecimentos religiosos e o de habitantes. A região Norte ficou em primeiro lugar com 4,6 templos por 1.000 habitantes, seguida pela região Nordeste com 3,2 templos por 1.000 hab.. A região Sul é a que demonstra a menor correlação entre estabelecimentos religiosos e a população residente. Além disso, ao analisarmos as dez cidades com mais de 200 mil habitantes e com maior proporção de estabelecimentos religioso por 1.000 hab., observamos uma concentração significativa no Rio de Janeiro já que o estado conta com 8 dentre as 10 cidades em destaque (Itaboraí, Magé, Nova Iguaçu, Belford Roxo, Duque de Caxias, São Gonçalo, Cabo Frio e Macaé), todas elas com altos índices de violência e vulnerabilidade social.
Portanto, é interessante analisar a correlação existente no Brasil entre o crescimento no número de entidades religiosas e assistência social por elas prestadas. A assistência social oferecida por entidades religiosas é garantida por lei podendo ser prestada por qualquer entidade sem fins lucrativos ligada a qualquer grupo religioso, desde que em posse dos registros e requisitos necessários. Sendo assim, essa prerrogativa se estende a diversas tradições religiosas, não se limitando apenas à Igreja Católica e às igrejas evangélicas. No entanto, é crucial permanecermos vigilantes em relação aos abusos e usos indevidos que algumas lideranças podem fazer dessa oportunidade de contato direto com a população.
Os dados do IBGE nos lembram da importância histórica e contemporânea da assistência prestada pelos vários grupos religiosos à população, o que nos faz entender o grande número de entidades contabilizadas, sobretudo em um país tão desigual em termos de renda e condições de vida. Esses grupos religiosos desempenham um papel crucial na prestação de assistência não apenas no Brasil, mas também em outros países, especialmente em nações com alto Índice de Desenvolvimento Humano. Em países com poucas políticas públicas para as populações, os espaços religiosos desempenham um papel significativo na mitigação da vulnerabilidade social de grupos estrangeiros e étnico-raciais.
Desta forma, ao analisarmos esses números, é importante não nos alarmarmos e encará-los como uma ameaça à laicidade e à democracia. Mas, é claro, embora as religiões e as entidades sem fins lucrativos a elas ligadas desempenhem um papel significativo no funcionamento das sociedades, é necessário estarmos atentos aos possíveis abusos e usos indevidos que podem ocorrer por parte de algumas lideranças religiosas.
*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.
Christina Vital da Cunha é professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal Fluminense. Coordena o LePar – Laboratório de Estudos Socioantropológicos em Política, Arte e Religião e é editora do periódico Religião & Sociedade (https://www.scielo.br/j/rs/) além de autora do livro Oração de Traficante: uma etnografia e co-autora deReligião e política: uma análise da participação de parlamentares evangélicos sobre o direito de mulheres e de LGBTS no Brasil (2012), entre outros livros e artigos em jornais, revistas e periódicos nacionais e internacionais. Citação VITAL DA CUNHA, Christina. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4867-1500