Marcha-a-ré de Jesus

Marcha-a-ré de Jesus

Da onde menos se espera é que nada vem mesmo, diz o adágio popular. Por esta razão é que confesso a total ausência de surpresa dos descaminhos ideológicos que a tal Marcha para Jesus toma a cada edição. Para mim, tais ajuntamentos behavioristas, se tanto, pouco têm a ver com o Evangelho e mais com o exercício do poder sobre o espaço público. Sim, a mobilização é usada como moeda de troca.

Sustento tal posicionamento, primeiramente, diante da ausência de unidade presente em tais encontros. Ora, que unidade é possível ser construída em algumas horas de ajuntamento, nas quais as pessoas são convidadas a se manterem como plateia? Que consciência de unidade pode ser desperta, se os discursos proferidos são (nesses encontros) sempre dos mesmos para os mesmos? Se nunca alcançam as raízes desta desunião, boa parte como resultado da sementeira que tais figuras encarnam?

Como pode haver a promoção da união em discursos que promovem ataques? Como viver a harmonia a partir de vociferadores? Ora, se a Marcha se deixa usar para este fim, ela não tem Jesus Cristo à sua frente, como seu alvo, mas o coloca a léguas de distância para trás. Sua direção está equivocada, em macha-ré.

Por fim, me parece estranho o conceito de marcha diante da doçura do Evangelho de Jesus. Marcha é para exército e as forças armadas têm boa parte do seu treinamento voltado para o aprender a matar. Essa figura é bem presente no primeiro testamento. No entanto, Jesus inaugura um novo tempo. Ao invés de soldados para marchar, ele convida discípulos para o seguir. Ao invés de treino para matar e morrer, Jesus nos convida a aprender a amar. Ao invés do campo de batalha, o seguimento pelo Caminho da vida.

Marchar para Jesus é um contrassenso. É dar um passo atrás; é retornar a um ponto já superado. Jesus nos convida a caminhar para frente, para o futuro que prenuncia o Reino de Amor. Deixemos, pois, todas as marchas para os veículos e para as forças armadas. Porque segundo o Evangelho, todo arregimentar sempre desembocará numa marcha-a-ré de Jesus e não em sua promoção.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Pr. Dr. Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek  é Mestre e Doutor em Ciência da Religião (UFJF/MG); Pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Filosofia da Religião, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF/MG); Pastor na Igreja Batista Marapendi (RJ/RJ); Professor do Seminário Teológico Batista Carioca. Autor de Bíblia e Modernidade: A contribuição de Erich Auerbach para sua recepção e co-organizador de: Fundamentalismo Religioso Cristão: Olhares transdisciplinares; e O Oásis e o Deserto: Uma reflexão sobre a História, Identidade e os Princípios Batistas. Contato: sdusilek@gmail.com