Mais um ataque da bancada feminina conservadora da Câmara dos Deputados contra os direitos humanos e civis das brasileiras

Mais um ataque da bancada feminina conservadora da Câmara dos Deputados contra os direitos humanos e civis das brasileiras

As mulheres não têm um minuto de paz neste país. Sempre há uma movimentação no legislativo federal tentando cassar nossos direitos. E, o que é pior: por conta da atuação de deputadas federais. Na semana em que comemoramos a Proclamação da República, tivemos dois exemplos de como algumas parlamentares trabalham contra as mulheres.

Júlia Zanatta (PL-SC), que se define como “armamentista, antifeminista, bolsonarista e cristã”, protocolou um projeto de lei na Câmara para impedir que o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e Adolescência (Conanda) dê orientações sobre o aborto legal para crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. 

Na justificativa, Zanatta diz que o aborto "é uma questão de alta sensibilidade e controvérsia no Brasil, e sua regulamentação envolve diretamente aspectos constitucionais, religiosos, éticos e sociais, que necessitam de ampla discussão e da participação efetiva de representantes eleitos pelo povo". E acrescenta que o Conanda não pode ultrapassar seus limites legais “influenciando” o público de atenção do conselho. 

Como se não bastasse, a deputada “advogada, católica, esposa e mãe” Chris Tonietto (PL-RJ) ressuscitou um projeto de emenda à Constituição (PEC) do ex-deputado Eduardo Cunha (Republicanos-RJ), cassado em 2016, que garante a inviolabilidade do direito à vida "desde a concepção". Na prática, o projeto pretende acabar com o aborto legal no Brasil. Lembremos que o país permite a interrupção da gravidez se provocar risco de morte para a mãe, se o feto for anencéfalo e em caso de estupro. Neste último caso, um direito adquirido na década de 1940. 

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), presidida por Caroline de Toni (PL-SC), “cristã e bolsonarista”, tentou pautar a votação da PEC. Deputados do PT, PV e PSOL pediram vistas ao projeto e conseguiram ganhar tempo. Mas ainda corremos o risco de um retrocesso histórico na luta dos direitos civis das brasileiras. 

É triste ver que esse risco acaba sendo provocado por mulheres que se definem como antifeministas. Elas se esquecem que só podem estar ocupando cargos legislativos por conta do trabalho de feministas, como a professora Maria Lacerda de Moura e a bióloga Bertha Lutz que lutaram pelo direito ao voto e igualdade política das mulheres a partir dos anos 1920. E usam o fato de serem cristãs para a justificativa dos projetos usam a religião para a apresentação de projetos contra as mulheres.

“É a visão distorcida de uma teologia para justificar atos atrozes contra os direitos humanitários conquistados pelas mulheres”, define a advogada Talitha Camargo da Fonseca, especialista em direitos humanos e em direito das mulheres. “Entendemos que a Câmara dos Deputados é formada por brasileiras e brasileiros eleitos, que suas formações, horizontes de mundo, e crenças são das mais diversas. Porém, a produção dos que decidem não podem impactar o avanço civilizatório”, acrescenta.

Talitha lembra que vários países, inclusive os vizinhos Argentina e Uruguai, já superaram o debate religioso sobre o tema e as mulheres têm direito ao aborto legal, seguro e gratuito. “Existe um princípio muito importante na lógica dos direitos humanos que é do não retrocesso. E, enquanto não formos civilizados para entendê-lo, o debate social no Brasil continuará sendo feito no judiciário, especialmente em cortes superiores, para a garantia de direitos já constituídos”.

   *Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Ana Trigo, jornalista, é mestra e doutora em Ciência da Religião pela PUC-SP. Pesquisadora acadêmica sobre a cracolândia desde 2013, é autora da dissertação “Quando Deus entra, a droga sai”: ação da Missão Belém e Cristolândia na recuperação da dependência química na cracolândia de São Paulo; e da tese “Mulher é muito difícil” – o (des)amparo público e religioso das dependentes químicas na cracolândia de São Paulo. Faz parte dos grupos de pesquisa do LAR (Laboratório de Antropologia da Religião – Unicamp) e do GEPP (Grupo de Estudos Protestantismo e Pentecostalismo – PUC-SP). Também integra o coletivo Mulheres EIG – Evangélicas pela Igualdade de Gênero de São Paulo.