Mais de 80% dos candidatos autodeclarados evangélicos nas eleições municipais no Brasil são filiados a partidos mais à direita

Mais de 80% dos candidatos autodeclarados evangélicos nas eleições municipais no Brasil são filiados a partidos mais à direita

A preferência de uma maioria evangélica pela ideologia de direita não é apenas senso comum quando se trata do universo relacionado às disputas eleitorais. Pelo menos no que diz respeito aos que se autodeclaram evangélicos no nome de urna e na indicação da ocupação profissional ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nas eleições municipais deste ano, mais de 80% dos candidatos deste segmento religioso estão filiados a partidos de direita.

 Dos 458.965 candidatos ao pleito municipal do próximo mês de outubro no país, 7.380 estão identificados como evangélicos nos dados divulgados pelo TSE. Deste grupo, 82,1% pertencem a partidos mais à direita do espectro ideológico; 6,5%, de centro, e 11,4% são de partidos mais à esquerda. Entre os partidos mais à direita com mais candidatos estão o Republicanos, com 811 e o Partido Liberal (PL), com 707. Já aqueles mais à esquerda que abarcam o maior número de políticos são o Partido Socialista Brasileiro (PSB) e o Partido Democrático Trabalhista (PDT), que somam 313 e 275 políticos, respectivamente, classificados como de centro-esquerda.

 A ordenação dos partidos conforme o espectro ideológico está baseada no trabalho dos pesquisadores Bruno Bolognesi, Ednaldo Ribeiro e Adriano Codato, publicado na revista Dados, no ano passado. Segundo o portal de dados abertos do TSE, os 7.380 candidatos autodeclarados evangélicos estão distribuídos em 25 partidos, sendo: três de esquerda — Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e Partido dos Trabalhadores (PT) —; dois de centro-esquerda — PSB e PDT —; quatro de centro —Cidadania, Partido Verde (PV), Rede Sustentabilidade (REDE) e SOLIDARIEDADE —; três de centro-direita — AVANTE, Mobilização Nacional (MOBILIZA) e Partido da Mulher Brasileira (PMB) —; 12 de direita — AGIR, Democracia Cristã (DC), Movimento Democrático Brasileiro (MDB), Partido Novo, PL, Podemos (PODE), Progressistas (PP), Partido Renovação Democrática (PRD), Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), Partido Social Democrático (PSD), Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e Republicanos —, e um de extrema-direita — União Brasil (UNIÃO).      

 A identidade religiosa desses candidatos foi identificada a partir de um filtro com o uso das palavras “pastor”, “pastora”, “missionário”, “missionária”, “bispo”, “bispa”, “irmã”, “irmão”, “reverendo”, “reverenda”, “capelão” e “sacerdote”. Na maioria dos casos, esses vocábulos estão registrados no próprio nome de urna ou no campo em que está indicada a profissão do candidato.

 Quando se trata de evangélicos, não podemos tratá-los como homogêneos, tendo em vista a diversidade de denominações e as especificidades de suas doutrinas e posicionamento diante das questões políticas. Seria necessário um estudo mais aprofundado acerca das igrejas as quais cada um desses candidatos é membro a fim de entendermos de quais evangélicos estamos falando. Isso é importante até para identificar se sua participação política se dá enquanto sujeito coletivo - que representa, portanto, o pensamento da igreja - ou como sujeito individual, que embora esteja ligado a uma denominação religiosa, sua incursão na cena política pode não refletir o direcionamento de determinada igreja. 

 É preciso ter cuidado quando nos referimos a um “projeto de poder dos evangélicos”. Existe, sim, um projeto de poder político-religioso em curso, que vem sendo orquestrado por lideranças evangélicas por meio de uma aliança com grupos de direita e extrema-direita. Esses sujeitos utilizam a religião como instrumento com o intuito de ocupar cada vez mais os espaços do legislativo, do executivo e do judiciário para conquistar seus interesses, que são de ordem corporativa e econômica. Mas isso não quer dizer que tal projeto é de todos os evangélicos. 

 A polarização que vem sendo feita entre esquerda e direita/ bem e mal com a politização da fé das pessoas acaba escondendo o jogo político e de interesses que existe nessa corrida eleitoral para eleger os candidatos evangélicos que, por conta de sua identidade religiosa, seriam os mais capacitados para representar a população e, assim, defender a vida, a família e os valores cristãos. Há uma retórica que reverbera nas igrejas e entre a população religiosa que demoniza tudo que é ligado à esquerda e que vem sendo eficaz para convencer líderes e fiéis de que sua liberdade religiosa está ameaçada por partidos que teriam a intenção de corromper o país. O discurso do desembargador aposentado Sebastião Coelho da Silva, durante o evento “Despertar Profético”, realizado no dia 25 de junho deste ano, em Brasília, representa muito bem a mobilização que vem sendo feita no campo discursivo: 

 Quando se apresentam os irmãos que aqui estão, colocando os seus nomes para um projeto de país, Deus está dizendo: “essas pessoas eu vou poder usar”. Mas nós estamos em tempo de Guerra! E em tempo de guerra nós temos lado! Tempo de guerra não é tempo de abraçar inimigo! É tempo de vencer o inimigo! Eu não consigo entender  e é bom a diversidade de pensamentos  [...] Mas eu não consigo conceber, entender, onde nós temos pastores de esquerda! A esquerda serve ao inimigo! A esquerda é contra todos os valores que nós defendemos!

 Para entendermos em que consiste o “projeto de país”, mencionado pelo desembargador, precisamos olhar o que está para além do discurso e das igrejas. Não se trata de um projeto só religioso, mas também não é só político. Existe um entrelaçamento entre os dois campos e interesses econômicos envolvidos. E no meio de todo esse cenário está a disputa pelo voto do segmento religioso que mais cresce no país e que, segundo projeções, pode ultrapassar o número de brasileiros católicos nos próximos anos. 

 *Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Michelli Possmozer é Doutora em Sociologia Política, Mestra em Ciências Sociais e graduada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo. Possui experiência como repórter de jornal impresso, comunicação institucional e pesquisas nas áreas de Religião e Política, Sociologia Urbana, Sociologia da Violência, Desenvolvimento Urbano e Políticas Públicas.