KLEBER LUCAS E O PRÊMIO MULTISHOW
Parece que nem mais ganhar um prêmio secular o pastor Kléber Lucas pode. Bastou ele ser laureado com o prêmio Multishow na categoria música cristã, para que a ira adormecida, como dizia Harry Emerson Fosdick, dos autodenominados guardiões da fé fosse novamente despertada. A tropa do ódio a ser exercido em nome e, pretensamente, a mando de Jesus se apresentou para a batalha no Coliseu pós-moderno: as redes sociais.
As alegações para o linchamento virtual são as mais variadas.
Para uns, Kleber não poderia ter ganho o Prêmio na categoria música cristã, porque ele não seria mais cristão. Possivelmente, tais evangélicos, amamentados pelo NAN fundamentalista sob livre demanda, tenham ficado escandalizados com a expressão do amor do pastor Kleber Lucas e de outros clérigos evangélicos, na visita e reconstrução de um terreiro de candomblé na baixada, assolado pela intolerância religiosa que habita certos comandos do crime organizado. Para os radicais, seja do crime ou das redes, a tolerância religiosa só tem valor se for de mão única, em direção a proteção do culto cristão. Para as demais expressões religiosas, pode haver perseguição à fé e destruição do local de culto. O nome disso é racismo religioso.
Para outros, Kleber Lucas só ganhou por causa de uma grande acordo com a Globo (o prêmio é Multishow, vale lembrar), como se ele não tivesse talento algum... Esquecem-se que há dez anos ele ganhou o Grammy Latino, na mesma categoria. Como negar sua capacidade e qualidade na composição, além de toda sua influência nos momentos de adoração nas igrejas? Se é praticamente impossível uma igreja passar duas semanas sem cantar uma música do Kleber Lucas em seus cultos e celebrações, quer dizer que o mau gosto musical seria a tônica presente na musicalidade evangélica? Essa turma toda que o crucificou pela falta de talento (imagina se Caetano Veloso iria se prestar a fazer parceria com músico ruim), tem ciência de que passam um atestado de diletantismo ao seguir cantando suas músicas nas igrejas? O nome disso é racismo invejoso: achar que um negro não pode ter talento, ou que seu talento não pode sobressair sobre o branco.
Um terceiro grupo aposta as fichas na vida pessoal de Kleber. É a turma que acha que diante de Jesus pode ter pedras na mão... Esquecem que pegar em pedras para apedrejar um servo do Senhor, só diante de Saulo de Tarso. Ao procederem assim, assumem que são mais fariseus do que um dia foram cristãos. Se Kleber teve dificuldades na vida pessoal? Parece que sim, inclusive abrindo o peito em rede social e confessando. Se isso descredencia sua fé? De maneira alguma, pois a salvação foi nos dada pela Graça de Jesus e não comprada por qualquer obra ou mérito pessoal. Se deveríamos todos olhar com mansidão para quem errou? Claro, sendo esta a principal recomendação do apóstolo Paulo em seu sexto capítulo da Carta aos Gálatas.
Engraçado que boa parte dos haters que se valem de certa promotoria divina (função que na Bíblia está reservada ao Diabo e aos seus), são aqueles que convivem, em suas comunidades de fé, com distorções piores. Pastores em contumaz prática de adultério, homens agindo com violência sobre suas mulheres (esposas e filhas); tesoureiros cuja paternidade ascende a Judas Iscariotes... mas com os de casa, parece que há um tácito acordo pelo silêncio. O nome disso é "balança enganosa" e a postura de cancelamento em relação ao Kleber Lucas é prova da completa ausência de amor. Já não são discípulos de Jesus, os evangélicos que amanhecem escolhendo quem vão odiar naquele dia. Não são filhos de Deus aqueles que enterram seus irmãos vivos, pela imposição do cancelamento, coisa que assustaria até mesmo os bárbaros. Os bárbaros!
Entre os grupos há também os "stalkers" que perseguem Kleber Lucas por sua opção política. Convenhamos, esta é a única acusação que pode ser adesivada nele: eleitor de Lula. Entretanto, se estamos em uma democracia, esta escolha deveria ser respeitada, como todas as demais. O nome desta agressividade contra quem opta por uma candidatura de centro-esquerda ou mesmo de esquerda é fascismo, que nada mais é que o "botão de emergência do capitalismo". É uma ideologia de extrema-direita que, no contexto religioso, após receber seu verniz, se apresenta como fundamentalismo, que é racista tanto em sua gênese quanto na sua extensão, aplicação.
Ao finalizar esta coluna, lembro de uma experiência há cerca de três meses, no metrô do Rio, indo almoçar justamente com o premiado. Estava lendo um livro quando ouvi uma música de fundo. Um artista que ali se apresentava com seu violão, cantou uma das músicas de Kleber. Na hora peguei o celular e avisei o premiado. Ele pediu para gravar. Cheguei perto do rapaz, mostrei a conversa no "zap" e perguntei se ele podia tocar uma música do Kleber. Ele sorriu, pediu uma "moral", e o fez com o coração... Cantor de rua feliz, premiado nas alturas... Não é todo mundo que consegue ser quase que onipresente devido ao impacto e extensão da sua obra.
Kleber Lucas querido, parabéns a você e ao Caetano pelo justo e merecido prêmio. Suas músicas, como no exemplo acima, fazem parte do DNA da hinódia, da hinologia evangélica. São elas que tocamos e que nos tocam no louvor; que nos inspiram no leito hospitalar; que cantarolamos para nossos bebês ao fazê-los ninar; que ouvimos ao viajar. Você está espraiado, semeado em milhões de corações desse Brasil, inclusive, para agonia deles, daqueles que lhe perseguem.
Força e Fé! Paz e Bem! E... PARABÉNS!
*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.
Pr. Dr. Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek é Mestre e Doutor em Ciência da Religião (UFJF/MG); Pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Filosofia da Religião, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF/MG); Pastor na Igreja Batista Marapendi (RJ/RJ); Professor do Seminário Teológico Batista Carioca. Autor de Bíblia e Modernidade: A contribuição de Erich Auerbach para sua recepção e co-organizador de: Fundamentalismo Religioso Cristão: Olhares transdisciplinares; e O Oásis e o Deserto: Uma reflexão sobre a História, Identidade e os Princípios Batistas. Contato: sdusilek@gmail.com