Justificativa para homeschooling inclui valores morais e negócios
Nos últimos dias, voltou à cena nacional uma das bandeiras erguidas com muito destaque pela Ministra Damares Alves: o ensino domiciliar. Aprovado na Câmara dos Deputados, a educação domiciliar integra a pauta de costumes do governo e tem adesão de uma parcela dos evangélicos. Há muitos fatores que podem explicar essa adesão, lembrando que a diversidade dos “evangélicos” não nos permite falar deste grupo como uma unidade identitária.
Podemos iniciar a lista de fatores com a idealização fetichista do “American Way of Life” que os evangélicos brasileiros sustentam. Sendo as igrejas brasileiras resultado do trabalho missionário estadunidense, são ainda culturalmente influenciados por estes. Como boa parte da população brasileira, os evangélicos brasileiros imaginam que o que ocorre lá é modelo para cá e, inadvertidamente, buscam transplantar práticas e costumes sem grandes preocupações em analisar contextos e tradições. Se lá há a prática de educar os filhos em casa, aqui também é possível. Não há, em geral, um prévio conhecimento dos sistemas educacionais e da porcentagem de famílias que aderem à essa prática.
Em segundo lugar, a onda de conservadorismo, aliado à guinada à direita que o Brasil sofreu nos últimos anos, fez com que essa parcela dos evangélicos bolsonaristas aderissem a todo discurso do governo. Assim sendo, mesmo não sendo facilmente detectada em pesquisas objetivas, no dia-a-dia é possível perceber que não se interessam pelos dados concretos e não buscam confirmações de veracidade, mas apenas confiam na fonte propositora. Se a Ministra Damares Alves, cuja biografia é marcada por uma fantasiosa luta contra as “forças do mal” que atuam para destruição da família, está lutando pela “liberdade” dos pais educarem seus filhos seguindo os preceitos religiosos cristãos, então não há, para os seus pares, nenhuma necessidade de diálogo com os profissionais e teóricos da Educação para se tomar partido.
Em terceiro lugar, uma mentalidade do confronto, belicosa e beligerante, que fica evidente na linguagem impregnada de inimigos e triunfalista. Talvez o caminho para entender esse ponto seja mais penumbroso.
Desde a emergência do pentecostalismo e do neopentecostalismo no Brasil, há uma crescente expansão da ideia de que há inimigos - sejam humanos, sejam espirituais - que tentam impedir a “vitória” dos “escolhidos”, dos “servos do Senhor”. Sendo fiéis a Deus, a vitória é certa, segundo essa mentalidade. Portanto, entendendo que as dificuldades e os revezes da existência são consequência dos maus e dos maldosos, ou do próprio pecado, a solução encontrada é a fidelidade (através do cumprimento de uma moralidade conservadora) e da batalha contra o mal (prefigurado no Diabo ou nos seus cooperadores, a Esquerda!). Esse discurso ganhou impulso com o crescimento do mercado gospel, que através de cantores e cantoras, palestrantes e influenciadores digitais dão visibilidade. A conta fica simplificada: o mal (desemprego, doenças, violência doméstica, sexualidade lgbtqiap+) é resultado da ação do Diabo aliado às pautas progressistas da esquerda (que rouba o país, que faz apologia às drogas, que incentiva a “homossexualidade”, etc..). A escola, como espaço de formação dos filhos, é fundamental neste avanço do mal pois não está reproduzindo o discurso conservador, mas permitindo que idéias circulem e sejam debatidas, numa busca pelo acolhimento das diferentes formas de ser e viver.
Por fim, a adesão ao projeto de homeschooling por setores evangélicos, é resultado de um afastamento deste grupo do valor da Educação baseada em princípios científicos. Com a multiplicação de igrejas independentes, com lideranças pastorais estabelecidas sem necessidade educação superior formalmente comprovada, a idéia de uma espiritualidade sem racionalidade está servindo como apoio para o ataque ao sistema educacional. Em outras palavras, alguns líderes evangélicos estão aderindo com alguma facilidade a este projeto por não serem frequentadores das salas de aulas. É o caso da Ministra Damares Alves, que apresentou-se como “mestre em educação e direito” sem ter diploma, justificando ser um título dado pela igreja.
O homeschooling seria mais uma forma de impor à sociedade uma formação sem bases científicas, preconceituosa, assaltada pelos interesses de pastores e pastoras que, muito provavelmente, vão prover material didático próprio para estas famílias e assim abrir um novo filão no mercado gospel. É bom estar atento às movimentações destes líderes que fazem lobby no Planalto Central. Já os vimos, recentemente, abocanhando grandes somas no MEC, e a fome deles não é facilmente saciada.