Intolerância religiosa nega a mensagem de Jesus Cristo
Por Jacira Monteira
Eu acredito na exclusividade do cristianismo, da Bíblia, das Escrituras, de Jesus. Creio que, de certa forma, todas as religiões possuem esse caráter exclusivista. Em todas encontramos uma cosmovisão, uma visão da realidade, da redenção, uma forma de ver a vida. Cada qual requer do devoto uma dedicação exclusivista.
Eu acredito na mensagem de Jesus Cristo e acredito que ele fornece o único caminho. Mas minha crença não me dá o direito de ferir a crença de outras pessoas e de agir de forma odiosa com relação a outras expressões de fé. Até porque, no caso do cristianismo, agir de forma odiosa para com outras crenças não foi o que Jesus nos ensinou. A mensagem de Cristo de que o reino dele não é desse mundo revela também seu desinteresse em combater pela destruição dos inimigos.
As cruzadas, a busca pelo poderio, a vontade de destruir a existência do outro e de suas crenças, essas são posturas anti-evangelho. A mensagem de Cristo, na verdade, veio para pautar uma ética do amor. Um dos ensinamentos mais conhecidos de Jesus é aquele que diz que devemos amar a nossos inimigos. Penso que isso também se relaciona com aqueles que têm pensamentos diferentes de nós cristãos. Para o cristianismo do evangelho de Jesus, o praticante de outra crença não deve ser tratado com ódio, indiferença, tampouco deve ser alvo de uma cruzada.
Uma das perguntas que o Emicida fez após o caso de uma mulher que escreveu sobre seu livro dá muito o que pensar. Como que pessoas cheias de ódio se sentem tão confortáveis no meio cristão? É uma pergunta profunda, que merece reflexão.
Com a ascensão do bolsonarismo, parece que evangélicos se afastaram ainda mais do ensinamento de Jesus. Os discursos de ódio proferidos por pentecostais e reformados explicitam uma perspectiva teológica que tende a ver o outro como inimigo. A defesa da fé passou a se pautar cada vez mais pelo ódio e cada vez menos pelo amor. Isso nos fornece a dimensão do problema, que, é verdade, perpassa a história cristã como um todo. Não é difícil encontrarmos no passado episódios em que cristãos demonstraram agir contra a ética do amor de Jesus.
Falando por mim, sinto um constrangimento quando me deparo com manifestações de ódio vindo de cristãos. Sobre a atitude daquela mulher, tal ódio toca ainda o racismo. Ecoa uma prática disseminada no Brasil e em outras partes do mundo de ver na cultura negra algo ruim, maléfico. Muitos têm facilidade em olhar com carinho e apreço para mitologias gregas e romanas, ricas de obscenidades, de deuses cruéis, mas quando encontram os mesmos componentes no universo das religiões de matriz africano, não são poucos os que os relacionam a Satanás.
Uma postura assim carece também da falta de entendimento em relação à própria história cristã, ou seja, do entendimento de que o cristianismo floresce na África antes de alcançar a Europa, e que em muitos sentidos também pode ser considerado uma religião de matriz africana. Muitos, porém, não têm esse conhecimento, ou não querem ter, ou se fazem de doidos. É complicado entender.
É lamentável o que aconteceu com Emicida. Não compactuo com gesto daquela mulher de Salvador, mas sinto a necessidade de expressar minha solidariedade ao Emicida e destacar que ações de ódio, feitas por pessoas que carregam o nome de Jesus, mas que não conhecem a palavra do Evangelho, não agem como Jesus, tais ações não têm nada de cristãs.
Ações desse tipo se pautam por uma exegese bíblica precaria, ruim mesmo. Versículos são utilizados de forma errada, omitindo o contexto posto na bíblia, muitas vezes não por ignorância, mas simplesmente para odiar.
As interpretações equivocadas da bíblia não deveriam ser vistas como um problema menor, uma vez que seriam apenas interpretações. Elas, sabemos, produzem ações. Terreiros de Candomblé destruídos, livros destruídos, pessoas violentadas.
Para aqueles que carregam a mensagem de Cristo, tais atos se revelam mais terríveis ainda, pois não fazem sentido para a ética cristã.
*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.
Jacira Monteira é autora do livro O Estigma da Cor, publicado pela Editora Quitanda. Mestranda em Educação, Arte e História da Cultura (Mackenzie). Faz Pós-graduação em Teologia Bíblica e Exegética do NT (Faculdade Internacional Cidade da Vida).