Impacto Radical: A solução para uma Igreja que vai mal.
Cresce entre as igrejas evangélicas do Grande Rio de Janeiro a adesão a um programa chamado Impacto Radical. Seu objetivo primeiro é oferecer uma experiência que aproxima o confortável e livre evangélico carioca da excruciante perseguição a que os cristãos em países considerados fechados para a atuação da Igreja são submetidos. Sim, tem gente que paga e se sujeita a quase tudo para viver um simulacro de perseguição. Já não bastasse a dura realidade do brasileiro, tem gente que masoquistamente pede mais: quero um simuladão da perseguição! Uma mistura de treinamento do capitão Nascimento do Tropa de Elite I com certo sadismo que habita alguns dos mais puros e devotos corações evangélicos...
O encanto, o apelo de tal Impacto, está no mistério: o participante não pode contar o que acontece nesse encontro. É uma sociedade secreta dos mesmos que combatem a Maçonaria, dos que esquecem tal condenação quando Bolsonaro aparece na Loja...
Outra parte da força motriz desse tipo de evento está na altivez que provoca. Crente bom é aquele que passou (ou seria sobreviveu?) pelo Impacto Radical. Um evento que visa aproximar as pessoas de Deus, mas que termina por desnivelá-las, por distingui-las através das faixas de vaidade.
Ao confrontar a realidade do que seria uma perseguição cristã com a livre pregação do evangelho no mundo ocidentalizado, fruto da sua cristianização e da Modernidade, os promotores de tal Impacto tencionam um envolvimento maior dos participantes com a obra missionária. Esquecem-se, entretanto, que a ênfase sensorial, a promoção da sensação, não redunda, necessariamente, em missão, em maior engajamento ou mesmo comprometimento. Sinal disso é que não parece ter havido qualquer incremento dos egressos do Impacto em ações de pregação do evangelho e promoção da vida em territórios ocupados e deflagrados pela Guerra que tão de perto nos assola. Sensação não resulta em Missão. Até mesmo porque Jesus mandou contar os arrepios, mas fazer o cálculo da conta do discipulado, como bem lembra Bonhoeffer, antes de se propor a segui-lo como Mestre.
Já as igrejas que adotam esse programa atestam a aridez resultante do caminho do fundamentalismo que adotaram. Em tais comunidades de fé, as experiências religiosas foram tão escanteadas e desestimuladas que uma aridez quase que insuportável passou a dominar. Ora, a vivacidade da fé está na experiência religiosa e não no veio doutrinal que a sustenta ou explica. O apego a ortodoxia petrifica a experiência com Deus, e torna as relações interpessoais reféns do legalismo. O resultado? A empatia é desaprendida a tal ponto, que torna-se necessário reaprendê-la, estimulá-la, britando esse invólucro racional que encapsula a mais terna compaixão. Por esta razão, igrejas que adotam esse programa sabem que seus templos se tornaram caixões insepultos, precisando produzir algo que pareça ser uma espiritualmente válido.
Ocorre que esse tipo de atividade produz traumas e malefícios à saúde. Doenças pré-existentes que estão latentes em um organismo podem ser ativadas ou reativadas a partir de um estressamento emocional tal qual é propositalmente produzido em tais encontros. A alma, as emoções, que já não andavam boas, podem ser pioradas e adoecidas a um grau quase insuportável. Por conta dessa voluntária e inexplicável exposição ao sadismo da auréola eclesial, pululam casos de gente que não reencontrou o rumo da vida após sofrerem todo tipo de violência emocional e simbólica, quando não física. De fato, tais encontros são neurotizantes, patologicamente adoecedores.
Ora, logicamente que esses programas de Impacto têm um objetivo político. Ao emprestarem uma interpretação da perseguição que os cristãos sofrem em países fechados à pregação livre do Evangelho, não são poucos os casos que são estabelecidas conexões com o comunismo (sim, esta turma está nos anos 1950) e, portanto, demonizados os candidatos da esquerda. Tais encontros se transformam em espaço de manipulação política da consciência alheia, sempre à direita, quando não para a extrema-direita.
Todavia, o que mais me preocupa são as crianças. Recentemente soube do intento de lançarem o Impacto Radical Kids. Foi este motivo que me fez dedicar esta coluna a este assunto. Querem adoecer os pequeninos, introjetar neles as frustrações e doenças que habitam em tais "instrutores". Tornar as crianças alvos deste sadismo eclesial. Se vocês pais não foram adultos o suficiente para dizer não a uma bobagem dessas que nada tem a ver com o Evangelho de Jesus, que sejam pelo menos maduros para evitar que seus filhos sofram danos irreparáveis em tais encontros. Não toquem, nem deixem tocar, nos pequeninos de Jesus.
*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.
Pr. Dr. Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek é Mestre e Doutor em Ciência da Religião (UFJF/MG); Pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Filosofia da Religião, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF/MG); Pastor na Igreja Batista Marapendi (RJ/RJ); Professor do Seminário Teológico Batista Carioca. Autor de Bíblia e Modernidade: A contribuição de Erich Auerbach para sua recepção e co-organizador de: Fundamentalismo Religioso Cristão: Olhares transdisciplinares; e O Oásis e o Deserto: Uma reflexão sobre a História, Identidade e os Princípios Batistas. Contato: sdusilek@gmail.com