Grupos políticos não deveriam agir como se fossem grupos religiosos

Juliano Spyer erra ao comparar as estratégias adotadas por grupos de esquerda e por grupos evangélicos para a conquista da simpatia de fiéis. É importante que as esquerdas escutem as bases evangélicas, mas para isso não carecem de imitar os passos de pastores e lideranças religiosas.

Grupos políticos não deveriam agir como se fossem grupos religiosos
Crédito: O Globo

Em texto publicado em sua coluna no jornal Folha de São Paulo no dia 27 do mês passado, o antrópologo e fundador deste Observatório, Juliano Spyer, argumenta "por que ativistas de esquerda perderão para a direita a disputa pelo coração" das mulheres evangélicas. O argumento apresentado no texto "Parem com isso" teria uma força maior caso o autor tratasse da disputa entre dois grupos políticos pelo apoio das evangélicas. Contudo, sua abordagem opõe esquerda e grupos evangélicos, contendo justamente por isso uma armadilha.
Com efeito, não precisamos nos estender muito para demonstrar que a oposição entre religião e esquerda é falsa. Identifico nesse argumento uma cilada, pois entendo que os grupos políticos não podem e nem devem rivalizar com a religião. No sentido de seus objetivos e princípios, uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.
Ao comparar o desempenho de grupos religiosos e grupos de esquerda na aproximação do universo evangélico, Spyer, ao menos no texto em análise, corrobora o argumento que atribui à falta de voluntarismo das esquerdas a dificuldade em falar "com as bases" e "falar com os evangélicos". Conforme essa perspectiva, as esquerdas não sabem fazer o que os evangélicos sabem para atrair os evangélicos. O texto de Spyer sugere a ideia de que grupos de esquerda deveriam saber fazer.
Penso que não devemos pedir ou esperar que as esquerdas se utilizem das mesmas estratégias adotadas por líderes religiosos como meio de chegar "às bases" porque, em certo sentido, isso é impossível. O tipo de relação e ajuda às vezes cotidiana e direta de líderes religiosos em pequenas congregações em favelas ou em cidades no interior não são possíveis para os políticos no Brasil, a menos que os políticos sejam também lideranças religiosas institucionalizadas. E este é um outro assunto importante a se tratar com atenção. Mas compreendo que ao empregar esse argumento o autor está preocupado em sublinhar alguns alertas. Em especial o alerta à parte da esquerda sobre a necessidade de abandonar o elitismo responsável por alimentar estereótipos contra evangélicos. E também o alerta geral sobre como precisamos, diante do crescimento da religião evangélica no Brasil, cada vez mais considerar os evangélicos como um grupo social culturalmente relevante.

Como se vê, a intenção do autor é positiva, contudo, não dá para "pedir" que as esquerdas façam o que as religiões fazem. É importante que as esquerdas escutem "as bases", saibam o que as animam, o que lhes interessa, quais os princípios e valores anunciados e dialoguem essas bases através de quesitos políticos (apresentação de propostas, políticas públicas etc.) e também emocionais. É preciso falar dos afetos que envolvem as ações políticas produzindo um sentido, uma compreensão global sobre o que está sendo proposto e como aquilo vai atingir diretamente a vida das pessoas no presente e no futuro.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Christina Vital Da Cunha é professora do Programa de Pós-graduação em Sociologia (PPGS) da Universidade Federal Fluminense, colaboradora do ISER e coordenadora do LePar - Laboratório de Estudos em Política, Arte e Religião.