Falas de pastores sobre crianças causam repulsa nas redes sociais

Falas de pastores sobre crianças causam repulsa          
nas redes sociais
Pastor Jonas Pimentel

O evangelho de Mateus nos apresenta um Jesus cuidadoso e amoroso com as crianças. Repreendia quem as afastava pois dizia que o reino dos céus pertence a elas. E advertiu gravemente: “Mas, se alguém fizer cair no pecado um destes pequeninos que creem em mim, melhor lhe seria amarrar uma pedra de moinho no pescoço e se afogar nas profundezas do mar (Mateus 18:6)”.

O que Jesus, que gostava de estar com as crianças, diria dos vídeos que viralizaram recentemente nas redes sociais com falas de pastores que são de revirar o estômago? “Existem situações que quando acontece um abuso de uma criança, a criança é também culpada, porque ela deu lugar. Crianças também têm culpa, têm participação, mas não todos os casos. Eu quero deixar isso bem claro”.

A fala é repugnante por si, mas fica ainda pior porque foi dita durante um culto. Jonas Felício Pimentel é líder da igreja Tabernáculo da Fé de Goiânia, e fez a afirmação durante o que ele mesmo chamou de “orientações para os pais” ao comentar o caso de uma criança de cinco anos que foi abusada pelos primos. O vídeo viralizou nas redes no dia 30 de abril, revoltando os usuários da internet.

Diante da enorme repercussão, o vídeo foi retirado da página da igreja no Youtube. Em seu lugar foi colocado outro em que o pastor lê uma nota pedindo desculpas “para aquelas pessoas que se sentiram ofendidas”. Segundo ele, o objetivo era alertar que é “responsabilidade dos pais ter seus filhos ao alcance dos olhos, somente perdendo contato visual deles quando situações absolutamente imperativas exigirem” e recomendou que é preciso evitar que filhos pernoitem em casa de parentes ou amigos.

E finalizou: “Eu, pastor Jonas Felício Pimentel, e a igreja Tabernáculo da Fé de Goiânia reafirmamos nosso compromisso de lutar pelos nossos princípios e valores, que são tradicionais, e continuaremos orientando e combatendo quaisquer formas de descuidos e violência contra as crianças e adolescentes, especificamente, a sexualização precoce delas que o mundo moderno impõe nas casas dos cristãos”. Aparentemente, o pastor também foi impactado pela imposição da sexualização precoce das crianças pelo mundo moderno ao afirmar que crianças têm participação e culpa dos abusos sexuais que sofrem.

Como se não bastasse, dias depois, outro vídeo com um trecho de uma pregação do pastor Lucinho Barreto, da Igreja Batista Lagoinha, causou espanto pela espontaneidade em que ele descrevia uma cena que, desculpem, não tenho como não dizer isso, incentiva o incesto e a pedofilia. “Eu peguei minha filha um dia, dei beijo nela, ela passava e eu falava; nossa que mulherão, ai se eu te pego! Aí ela ficava assim; credo pai! você já é da mamãe.”

Ele parece se divertir com o constrangimento da menina e é possível ouvir pessoas que assistiam ao culto rindo das palavras do pastor, que continua: “Um dia ela estava distraída, eu peguei e dei um beijo nela. Aí ela disse assim, que é isso pai? Eu disse assim: quando eu encontrar seu namorado eu vou falar assim: você é o segundo, eu já beijei”. Mais risos e até aplausos dos fiéis.

Para um total de zero pessoas surpresas, pastor Lucinho gravou um vídeo explicando que a situação foi tirada do contexto e pede perdão “a quem ficou entristecido” com sua fala. “Aquele vídeo era uma reunião de homens e eu estava falando para eles sobre a necessidade de levantar a autoestima dos filhos. Quem me conhece, sabe como eu sou. Eu dei um beijo inocente, um beijo puro na minha filha. Eu odeio tudo que tem a ver com pedofilia,” disse.

Casos como esses, claro, são exceções. Mas causam espanto pela naturalidade com que são absorvidos pelos fiéis que lotam os cultos das duas igrejas. Jesus colocou as crianças no centro de seus ensinamentos por amor, mas os dois pastores desvirtuaram totalmente suas palavras. Por isso, é muito fácil entender a irritação de Cristo com os religiosos de sua época. Certamente estaria esbravejando ainda hoje: “Serpentes! Raça de víboras! Como vocês escaparão da condenação ao inferno? (Mateus 23:33)”.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Ana Trigo, jornalista, é mestra e doutora em Ciência da Religião pela PUC-SP. Pesquisadora acadêmica sobre a cracolândia desde 2013, é autora da dissertação “Quando Deus entra, a droga sai”: ação da Missão Belém e Cristolândia na recuperação da dependência química na cracolândia de São Paulo; e da tese “Mulher é muito difícil” – o (des)amparo público e religioso das dependentes químicas na cracolândia de São Paulo. Faz parte dos grupos de pesquisa do LAR (Laboratório de Antropologia da Religião – Unicamp) e do GEPP (Grupo de Estudos Protestantismo e Pentecostalismo – PUC-SP). Também integra o coletivo Mulheres EIG – Evangélicas pela Igualdade de Gênero de São Paulo.