Falar sobre religião na academia ainda é tabu

Falar sobre religião na academia ainda é tabu

Neste mês o pastor Silas Malafaia esteve em Portugal inaugurando uma filial de sua congregação. Durante sua fala, Malafaia mencionou que Portugal é um “laboratório”. Os erros e acertos identificados nesse país servirão para formular novas estratégias direcionadas a outros países da Europa.

A presença de evangélicos no país luso não é novidade. A Aliança Evangélica Portuguesa (AEP) reúne atualmente mais de 700 congregações espalhadas por todo o território. No dia 15 de março, Malafaia participou de um almoço organizado pela AEP. Foi o orador principal e falou para uma plateia composta por pastores e líderes políticos. Entre eles estava Marcus Santos, brasileiro, eleito deputado pelo partido de extrema direita Chega. Em um clima de otimismo, um dos oradores afirmou que o país foi abençoado com o resultado positivo da direita nas eleições ocorridas semanas atrás. Para termos uma ideia, depois de uma aliança com os evangélicos, o partido Aliança Democrática Nacional (ADN) teve um aumento de 90% no quantitativo de votos em relação às eleições de 2022. O deputado Marco Feliciano chegou a participar da campanha gravando um vídeo. 

Para além do interesse imediatamente político, percebe-se certo despreparo da academia para lidar com esse fenômeno. Um termômetro disso pode ser a nova geração de jovens universitários que está em formação. Em sua maioria progressistas, os estudantes dos cursos de Ciências Humanas e Sociais pouco ou nada sabem sobre o universo evangélico. Há certo preconceito em falar sobre religião. Seja pelo viés iluminista, seja pelo marxista. Um advoga que a religião já deveria ter sido extinta da civilização, pois com a Modernidade não teria mais lugar em um mundo regido pela razão. Outro compreende a prática religiosa como algo alienante e véu ocultador da realidade vivida pela pessoa que continua sendo oprimida e explorada na relação capital-trabalho. 

Abordar o tema em sala de aula ainda é um tabu acadêmico. Ler versículos bíblicos para compreender as motivações dos evangélicos, então, algo pouco usual. Lembro da expressão facial de um estudante ao pedir que lesse um versículo bíblico para falar sobre uma das caraterísticas do pentecostalismo. Parece que o ar que se respira na universidade está carregado de uma fumaça tóxica que vai impregnando os pulmões e cérebros de estudantes e pesquisadores. Isso é uma grande barreira para que esse público tenha uma percepção mais aguçada sobre esse fenômeno. De modo adicional, a falta de debate sobre o tema não lhes permite um melhor domínio sobre categorias para refletir e propor caminhos de diálogo com os evangélicos. 

Considerando a América Latina, o crescimento dos evangélicos é forte em países como Brasil, Guatemala, Nicarágua, El Salvador e Honduras. Com menos intensidade também é possível identificar uma curva ascendente em Bolívia, Perú, Colômbia, Equador e Venezuela, Costa Rica, Panamá e República Dominicana. Ou seja, em boa parte do nosso continente as igrejas evangélicas estão ganhando cada vez mais adeptos. Considerando o crescimento no caso brasileiro, podemos imaginar como isso pode impactar os países vizinhos, dada a conhecida atividade missionária que parte de nosso país.

Tendo isso em vista, o despreparo e o preconceito com que o tema religioso é tratado dentro de muitos centros acadêmicos progressistas é algo digno de nota. Nada mais útil ao avanço da extrema direita na sociedade e dentro das igrejas.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


João Barros é evangélico há mais de 20 anos. Doutor em Filosofia e doutor em Ciências Sociais (UBA-AR), atualmente leciona no Programa de Pós-graduação em Integração Contemporânea da América Latina (PPGICAL) e no curso de Ciência Política e Sociologia da UNILA. É autor de Poder pastoral e cuidado de si em Foucault (2020) e Biopolítica no Brasil – uma ontologia do presente (2022). Também coordena o projeto Evangélicos e política na América Latina. Contato: joao.barros@unila.edu.br .