Exceção ou Regra? O fracasso eleitoral dos evangélicos apadrinhados pelos barões da fé na cidade do Rio de Janeiro

Exceção ou Regra? O fracasso eleitoral dos evangélicos apadrinhados pelos barões da fé na cidade do Rio de Janeiro

Não tinha atentado para esta sugestiva análise, até que Vinicius Cordeiro me chamou a atenção para um curioso resultado das eleições de 2024 para a vereança carioca: praticamente nenhum dos apadrinhados pelos barões da fé evangélica da cidade do Rio de Janeiro conseguiram eleger seus apaniguados. Mesmo aqueles que já tiveram a experiência do exercício de um mandato não lograram êxito. Na lista estão: Liliam Sá, Alana Passos, Renato Paula (irmão do deputado federal, pastor assembleiano Ottoni de Paula), Pr. Josias Cruz (que teve apoio de RR Soares), Eliel do Carmo (âncora da Rádio Melodia e pastor assembleiano), o cantor Waguinho (apadrinhado por Silas Malafaia), Eliseu Kessler (apoiado pelos Ferreira da Assembleia de Deus de Madureira), Fabinho Fernandes (apoiado pelo Pr. Josué Valandro Jr.), para ficar em alguns nomes.

Há algum tempo atrás tal resultados, a partir do apoio desses figurões evangélicos seria improvável, impensável. Como explicar isso?

Pode ser que estejamos vendo o início de certo esgotamento social com a inserção atrapalhada e nem sempre bem intencionada dos evangélicos no espaço público. Talvez as pessoas estejam preferindo que a religião volte a figurar nos seus espaços mais "próprios". A sinalização, neste caso, seria de que candidaturas que fazem uso de termos religiosos, que abusam da linguagem religiosa, e que permitem a instrumentalização do espaço religioso, estariam com dias contados. Nem a ex-deputada e pastora Mônica Francisco, que possui uma extensa folha de serviços prestados à sua comunidade, como liderança religiosa, e ao estado do Rio como deputada estadual que foi, passou incólume nesta disputa eleitoral. Se as urnas estiverem passando pelo batismo da laicização, então, parece que estamos diante de um bom e esperançoso prognóstico.

Outra explicação, que corroboraria com a primeira, é de que certas lideranças evangélicas se permitiram a uma incessante e contínua exposição midiática, nem sempre associada a valores e convicções das mais elevadas, o que as teria queimado no espaço público. Conquanto continuem sendo procuradas pela imprensa, estas lideranças não são mais ouvidas pelas pessoas. Criou-se um calo auditivo, uma audição seletiva que detecta e expurga, no primeiro contato, qualquer voz mais estridente. O aspecto negativo deste processo é que um espaço que demorou para ser conquistado pode acabar sepultado dentro de uma caixa de chumbo.

O caminho mais para o centro democrático, que pode ser visto na figura do prefeito reeleito Eduardo Paes, também pode ter esvaziado candidaturas evangélicas mais afeitas aos extremismos capitaneados pelo ex-presidente, o Derrotado. A sinalização seria de que, uma vez tendo um bom candidato para a prefeitura (ou "síndico", como bem diz o jornalista Octávio Guedes), sem a replicação das forças que se antagonizaram no cenário nacional, nem um presidente que atiça os ânimos dia sim e o outro também, o transcurso eleitoral retomaria a sua normalidade. Para saber se estamos diante deste fator é importante verificar outras disputas eleitorais nas quais ocorreram situações similares aos do pleito carioca.

É possível também que estejamos diante de uma exceção. Neste caso, uma combinação de fatores seria a explicação para o que há pouco vimos. Mais do que a enumeração dos fatores, importa, nesse caso, salientar o caráter de exceção desta eleição municipal no Rio de Janeiro.

Outra explicação está naquilo que Guilherme Galvão, ao lembrar a matéria da jornalista Narley Resende*, chama de aprofundamento do uso bolsonarista da força e "ingenuidade" evangélica. Em 2022, Resende chamava a atenção para um fato: evangélicos convencionais teriam perdido espaço naquela eleição para candidatos bolsonaristas. Em se confirmando esta hipótese, o bolsonarismo teria feito uso da Igreja Evangélica como uma barriga de aluguel, mas ao invés de nascer gente do caráter ou da vocação de um verdadeiro messias, nascem "Bebês de Rosemary"** em profusão. As eleições para a vereança do Rio indicariam, portanto, a intensificação do uso da Igreja pela extrema direita. Também apontariam para a falta de visão da liderança do movimento evangélico no Brasil que se permite ser usado a partir do gatilhamento por expressões chaves.

Esta configuração, se confirmada, traria um benefício para o movimento evangélico no país: como toda gestante não pode parir indefinidamente, em breve veríamos o desacoplamento da extrema direita da igreja evangélica. O lado ruim é que diminuiria a chance de vermos lampejos de misericórdia nos estamentos governamentais, bem como a dificuldade de um retorno a governos que pensem na sociedade como um todo.

Por fim, em uma lista que não se esgota, não podemos esquecer que tais candidatos de diferentes partidos, com diferentes aportes financeiros, tenham adotado estratégias equivocadas de campanha. Contudo, fica difícil enxergar a factualidade de tal viés, pela variedade das siglas partidárias envolvidas.

A questão que fica é: estamos diante de uma exceção, ou o Rio de Janeiro, capital cultural deste país, estaria apontando para uma nova direção, mostrando uma nova tendência que, em um breve futuro, se tornaria regra? A ver.

*https://www.band.uol.com.br/eleicoes/noticias/evangelicos-convencionais-perdem-espaco-para-bolsonaristas-na-camara-16546134

**Filme de Roman Polansky no qual Satã teria engravidado uma mulher de quem nasceria o Anti-Cristo.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Pr. Dr. Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek é Mestre e Doutor em Ciência da Religião (UFJF/MG); Pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Filosofia da Religião, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF/MG); Pesquisador em Estágio de Pós-Doutorado pela UEMS (Bolsista CAPES); Pastor na Igreja Batista Marapendi (RJ/RJ); Professor do Seminário Teológico Batista Carioca. Autor de Bíblia e Modernidade: A contribuição de Erich Auerbach para sua recepção e co-organizador de: Fundamentalismo Religioso Cristão: Olhares transdisciplinares; O Oásis e o Deserto: Uma reflexão sobre a História, Identidade e os Princípios Batistas; e A Noiva sob o Véu: Novos Olhares sobre a participação dos evangélicos nas eleições de 2022.