Evangélicos serão peça chave em 2024
Como sabemos, as eleições presidenciais recentes no Brasil representaram um marco na trajetória política dos evangélicos, um grupo diversificado e multifacetado em termos de crenças e práticas. Tanto em 2018 quanto em 2022, uma expressiva maioria de 69% dos eleitores evangélicos optou pelo voto em Jair Bolsonaro, segundo as respectivas pesquisas Datafolha de véspera dos segundos-turnos. Principalmente se tratando de 2022, este número reflete não só uma escolha política, mas uma mobilização profunda e estratégica dentro deste segmento. Observamos uma onda de mobilização político, caracterizada por uma combinação de fervor religioso e ativismo político, mirando em estabelecer uma sinergia entre o cristianismo evangélico e a direita política, em especial sua versão mais extremista - o Bolsonarismo.
A associação entre a fé evangélica e a política de direita foi fortalecida por discursos que enfatizam valores conservadores, especialmente em questões sociais e morais, ressoando profundamente com a base de fiéis. Embora seja cedo para declarar essa aliança como definitivamente consolidada, é notável a crescente aceitação da ideia de que a fé cristã evangélica é incompatível com os ideais de esquerda.
Com a aproximação das eleições de 2024, será imperativo analisar a evolução da dinâmica política dos evangélicos. Não é exagero dizer que o que ocorrer entre esse segmento implicará fortemente na conjuntura política e balizará os próximos anos de disputa eleitoral. Isso porque, ao contrário do período entre 2018 e 2022, Bolsonaro estará fora do poder e sem concorrer pessoalmente as eleições. A coesão do campo bolsonarista, e seu potencial sucesso nas urnas, dependerá significativamente da coordenação dos atores políticos e, crucialmente, da postura dos evangélicos. Resta saber se eles se posicionarão como um bloco unificado anti-esquerda, mantendo um discurso alinhado ao bolsonarismo, ou se estarão mais focados em questões pragmáticas locais, que transcendem a polarização política tradicional.
Do ponto de vista da esquerda, a disputa pelo voto evangélico se torna uma estratégia vital. Se os evangélicos mantiverem o nível de coesão e alinhamento com a direita observado recentemente, o campo político da esquerda enfrentará horizontes eleitorais cada vez mais restritos, e não é exagero dizer que poderá se tornar inviável em eleições majoritárias nacionais. Portanto, entender, engajar e possivelmente reverter essa tendência torna-se um objetivo crucial para os partidos de esquerda que buscam disputar o poder.
Este cenário exige dos partidos de esquerda uma reflexão profunda e uma reavaliação de suas estratégias. A necessidade de dialogar com o segmento evangélico, entendendo suas preocupações e valores, pode ser uma tarefa difícil, dado que há um indiscutível choque de visões de mundo. Mas é uma tarefa necessária, e adiá-la só a torna mais complexa.
*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.
Vinicius do Valle é Doutor e mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP). Graduado em Ciências Sociais pela mesma Universidade (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - USP). Realiza pesquisa de campo junto a evangélicos há mais de 10 anos. É autor, entre outros trabalhos, de Entre a Religião e o Lulismo, publicado pela editora Recriar (2019). É diretor do Observatório Evangélico e professor universitário, atuando na pós-graduação no Instituto Europeu de Design (IED) e na Faculdade Santa Marcelina, ministrando disciplinas relacionadas à cultura contemporânea e a métodos qualitativos. Realiza pesquisas e consultoria sobre comportamento político e opinião pública. Está no Twitter (@valle_viniciuss).