Evangélicos mantêm a falsa concepção da democracia racial
Para o bem ou para o mal, a religião alimenta a cultura e a cultura alimenta a religião numa relação profundamente dialógica. Não é diferente com os evangélicos, suas teologias e a sociedade brasileira. É nesse sentido que leio o breve ensaio “Cristãos mal-educados” de Allen Callahan, cujo destaque dou para o fato de os evangélicos serem a religião mais negra do Brasil sem contudo se reconhecerem como tal. O que pode estar por trás disso?
A questão pode ter muitas respostas. Mas poderia ser um nível do racismo estrutural? Sim. Se o brasileiro tem dificuldade de reconhecer o racismo nas estruturas culturais, sociais e políticas, infelizmente não será muito diferente no campo religioso. Embora entre os evangélicos pentecostais seja um lugar de maior igualdade racial e proeminência negra, as teologias evangélicas majoritárias no Brasil parecem ser contaminadas com fermento da ideologia da democracia racial. Perspectiva essa que teve influência de um nordestino que na tenra idade foi evangélico Batista, Gilberto Freyre, o qual, curiosamente, deixou de ser batista, conforme escreve Inácio Strieder, por decepção com o racismo dos batistas do sul dos Estados Unidos, onde se preparava para ser missionário na Amazônia.
Se a religião mais negra do Brasil tem dificuldade de se reconhecer como tal, se tem dificuldade de reconhecer que há preconceitos, discriminação e violência contra seus fiéis, então há um problema sério nessa teologia. Se em suas comunidades religiosas os pentecostais negros exercem liderança e se constituem enquanto sujeitos ativos e menos desiguais, fora de suas comunidades, muitas vezes o racismo lá se manifesta violentamente. Pergunto: como um pastor pode ajudar a curar as feridas de suas ovelhas, se ele ao menos consegue enxergá-las? O racismo é essa ferida que fere evangélicos negros todos os dias, mas a teologia evangélica majoritária é cega para esse mal.
É possível questionar as respostas de Callahan para os problemas apresentados em seu ensaio, mas é fato que a igrejas evangélicas precisam de uma educação para lidar melhor com as artimanhas capitalistas e com o racismo inscrito nas estruturas da sociedade brasileira, e mesmo dentro das próprias igrejas. Sim, existem teologias negras ensaiando respostas ao problema, bem como outros pontos de vistas teológicos contra o racismo, mas essas proposições precisam sair dos círculos intelectuais mais restritos e chegarem aos púlpitos das igrejas evangélicas e à vida dos irmãos. Eis o grande desafio antirracista.