Evangélicos críticos no Brasil: uma análise sociológica
A categorização de grupos, atores e situações é uma tarefa complexa e crucial no âmbito sociológico, carregando a responsabilidade de expressar nuances e compreender a dinâmica em foco. No contexto atual, destaca-se um grupo em crescimento, pluri denominacional, presente em todas as regiões do país e de diferentes gerações, cujas agendas e estratégias variam. Chamados de "evangélicos progressistas" ou "de esquerda", muitos agora reivindicam sua fé sem qualificações, desafiando o conservadorismo e buscando afirmar uma identidade cristã sem justificações morais.
Nesse contexto, proponho classificar analiticamente esse grupo como "evangélicos críticos". Este termo engloba uma diversidade de pessoas em comunidades pentecostais tradicionais, neopentecostais, "igrejas de garagem", comunidades não institucionalizadas e até mesmo igrejas protestantes com teologias diversas, incluindo as contextuais e de libertação. Os evangélicos críticos atuam em defesa da justiça social e climática, democracia e direitos das minorias, podendo gravitar entre partidos de centro, centro-esquerda e esquerda na hora do voto.
O crescimento desse grupo é notável à medida que fieis, insatisfeitos com as demandas financeiras e privações das igrejas mais tradicionais, buscam alternativas. O desencaixe nas teologias conservadoras gera ambiguidade, conforme as leituras teológicas conservadoras produzem segurança e coesão, mas também instabilidade, sofrimento e desejos de afastamento eclesial.
Lembrando as considerações de Durkheim sobre o duplo caráter do fato social, observa-se que, enquanto essas leituras conservadoras produzem segurança e coesão, também geram instabilidade. Os evangélicos críticos frequentemente transitam entre suas igrejas de origem e denominações mais contemporâneas, questionando publicamente práticas pastorais identificadas como fundamentalistas.
Líderes evangélicos críticos, muitas vezes não vinculados a partidos, desempenham um papel crucial no interior da igreja evangélica brasileira. Apesar de não fazerem campanha política, questionam práticas fundamentalistas e ideologicamente gravitam entre liberalismo, social democracia e socialismo. Esses evangélicos críticos desempenham um papel importante nas mudanças internas da igreja e na defesa das instituições democráticas diante de ameaças extremistas.
Christina Vital da Cunha é Professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Coordenadora do Laboratório de Estudos em Política Arte e Religião (LePar) Universidade Federal Fluminense. Autora de “Oração de Traficante: uma etnografia” e de “Religião e Política: medos sociais, extremismo religioso e eleições 2014”. Editora da Revista Religião & Sociedade.