Evangélicos Brasileiros em Portugal: impactos e desafios

Evangélicos Brasileiros em Portugal: impactos e desafios

A emigração brasileira para Portugal tem aumentado significativamente nos últimos anos. Em 2005, registravam-se pouco mais de 70 mil brasileiros residentes no país, número que aumentou para cerca de 160 mil, em 2015. De acordo com o Itamaraty, até o final de 2023, esse número ultrapassa a marca de 300 mil pessoas, enquanto que outras estatísticas apontam, entre os emigrantes legais, ilegais e naturalizados, para cerca de 500 mil brasileiros vivendo atualmente em Portugal.

Tal contingente representa pouco mais de 30% de toda a população estrangeira residente naquele país. Nesse contexto, podemos considerar também os emigrantes de origem africana oriundos de diferentes nações, uma vez que esses grupos possuem bastante aderência ao evangelismo brasileiro presente em Portugal.

À parte dos laços histórico-coloniais, de algum imaginário sobre família e ancestralidade, outras questões culturais generalistas, além de facilitações burocráticas, objetivamente, o que mais motiva esse fluxo de brasileiros para Portugal é a entrada na chamada zona do Euro em busca de melhores condições socioeconômicas e a familiaridade com a língua. 

Por certo, há de se considerar outras motivações, como por estudos ou simplesmente mudança de estilo de vida, mas, nesses casos, tanto a entrada quanto o estabelecimento em Portugal desses grupos são diferentes dos da maioria, sobretudo no que se refere às necessidades básicas de emprego e moradia. 

Atualmente, segundo levantamentos oficiais, a maior parte dos brasileiros que vivem em Portugal possui entre 20 e 49 anos e enfrenta dificuldades para se encaixar socioeconomicamente no país. Não raro, são pessoas que sofrem com processos variados de discriminação que, por exemplo, afetam a disputa por empregos e funções mais valorizadas.

Tendo em vista o crescimento evangélico no Brasil, hoje estimado em mais de 30% da população nacional, é razoável considerar que muitos brasileiros que emigram para Portugal carregam consigo a fé evangélica, sobretudo pentecostais e neopentecostais, pertencentes ou não a alguma denominação. Tanto é assim que, segundo alguns levantamentos, 4 de cada 10 brasileiros que vivem em Portugal são evangélicos.

Curiosamente, a chegada dos evangélicos brasileiros em Portugal precede esse fluxo mais intenso de emigração para o país que podemos observar nas duas últimas décadas. Há registro sobre a presença do pentecostalismo brasileiro em Portugal desde 1913, graças ao trabalho de missionários portugueses que viviam à época em Belém e que haviam se convertido para a recentemente fundada Assembleia de Deus. Com o apoio da denominação brasileira, eles retornaram à pátria de origem a fim de iniciar o trabalho da igreja por lá e que perdura até hoje.

Outro marco histórico importante é a chegada do neopentecostalismo brasileiro em Portugal, graças à Igreja Universal do Reino de Deus, que abriu seu primeiro templo no país em 1989, em Lisboa. Atualmente, a Universal conta dezenas de templos e milhares de fiéis espalhados por quase todo o país, membresia formada não apenas por emigrantes de origem brasileira, mas, também, por demais latinoamericanos e, principalmente, africanos.

Diante desse cenário significativo de emigração brasileira, por extensão, evangélica, não surpreende o fato de que tem aumentado tanto o número de igrejas quanto do próprio campo evangélico local.

Conforme o Instituto Nacional de Estatísticas de Portugal, entre 2011 e 2021, a população de brasileiros legais no país passou de cerca de 110 mil para 204 mil, sendo que, no mesmo período, a quantidade de evangélicos no senso religioso nacional aumentou de 75 mil para 186 mil, em que pese também a presença de evangélicos emigrantes de outras nacionalidades. Ainda que isso represente módicos 3% da população portuguesa, não há como desconsiderar uma correlação entre os números.

No que se refere às igrejas, a presença brasileira também é significativa: para além dos inúmeros templos pertencentes às grandes denominações brasileiras, como a Assembleia de Deus e a Universal, estima-se que 90% das 50 igrejas evangélicas abertas no país nos últimos anos são de origem brasileira.

O impacto dessa presença tem exacerbado o debate local ao seu respeito, ainda que exista uma política oficial de abertura e acolhimento social relacionado ao tema da emigração em geral e, por extensão, da diversidade religiosa dentro de um país majoritariamente católico e considerado conservador. 

Ainda que exista pouca aderência dos portugueses junto a essas igrejas, comumente consideradas “estrangeiras e para estrangeiros”, em linhas gerais, atualmente se registra em Portugal um cenário social muito mais favorável que outrora para a atuação das igrejas evangélicas brasileiras, ainda que isso não represente a totalidade das experiências conhecidas.

Também há de se considerar que essas igrejas costumam oferecer subsídios de acolhimento e fortalecimento de laços comunitários, redes de apoio emocional e subsistência, emprego e moradia para seus fiéis, muitas vezes preenchendo lacunas deixadas pelo Estado e a sociedade receptora mediante seus subprodutos classistas, racistas, xenofóbicos e de intolerância religiosa. 

Em contrapartida, trata-se de uma nação que tem procurado se modernizar, tanto que, nos últimos anos, Portugal aprovou o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o aborto e a eutanásia.

Portanto, um dos temas sensíveis à sociedade portuguesa é o do fundamentalismo ideológico, religioso ou político que as igrejas brasileiras possam levar consigo, tanto que as mesmas tem adotado um discurso mais apolítico, centrado em necessidades religiosas e socioeconômicas voltadas para o público emigrante.

Outro tema sensível consiste no aumento da presença evangélica brasileira na cena pública local, a partir da proliferação de templos e da crescente atuação nos meios de comunicação, ou seja, questões típicas do tensionamento que costuma acompanhar a globalização religiosa, especialmente no caso do evangelismo brasileiro.

Afinal, em Portugal, grande parte das igrejas brasileiras se sustenta graças ao recolhimento do dízimo. Isso acaba criando um círculo virtuoso, pois também é de interesse das igrejas encaixar economicamente seus fiéis, assim como mantê-los em sua denominação, dentro de um mercado religioso local que tem se mostrado cada vez mais competitivo devido ao seu próprio crescimento.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Marcelo Tadvald é Doutor em Antropologia Social pela Universidade de Brasília e Universidade Federal do Rio Grande do Sul (NER - Núcleo de Estudos da Religião, do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFRGS). Possui Pós-Doutorado em Antropologia Social pelo Programa Nacional Capes, com pesquisas sobre religião, política e direitos humanos. É autor e organizador de 8 livros, dos quais destaca-se: “Veredas do sagrado: Brasil e Argentina no contexto da transnacionalização religiosa. Porto Alegre: Cirkula, 2015. 1ª. ed. 367p.”, além de inúmeros artigos, capítulos de livros e textos publicados no Brasil e exterior. Também integra os Grupos de Pesquisa do CNPq: “Antropologia e Direitos Humanos” e “Transnacionalização evangélica brasileira para a Europa”. Atua ainda como consultor e assessor de órgãos do Governo Federal e sociedade civil. Contato: marcelotadvald@gmail.com