Entrevista com o professor Taylor Boas: O fenômeno dos evangélicos na política
Taylor Boas, professor de Ciência Política da Universidade de Boston, ganhou recentemente repercussão com a publicação de seu novo livro "Evangelicals and Electoral Politics in Latin America: A Kingdom of This World", lançado pela Cambridge University Press. A obra analisa comparativamente a atuação política de evangélicos na América Latina, em especial em países como o Brasil, Peru e Chile. Seu trabalho traz novas óticas sobre o fenômeno dos evangélicos na política, e chega em momento em que o assunto se torna um dos temas mais importantes doa discussão política nacional. O Observatório Evangélico, na figura de seu diretor Vinicius do Valle, aproveitando a passagem de Boas para uma série de eventos no Brasil, realizou uma entrevista com o professor, que pode ser conferida a seguir:
- Uma parte do argumento do seu livro é que os evangélicos se organizaram na política a partir de um sentimento que estavam acuados na sociedade. Podemos ver que até hoje o discurso de líderes evangélicos usa o argumento de que há ou poderia haver uma perseguição contra os cristãos. Você acha que esse discurso ainda ecoa, mesmo os evangélicos crescendo e ganhando cada vez mais espaço na sociedade? E se sim, você acha que em algum ponto o discurso de perseguição deixará de ter validade?
R: Em meu livro, examino como os evangélicos se mobilizam politicamente em resposta a dois tipos de ameaças: ameaças materiais, que tratam da igualdade religiosa entre católicos e evangélicos, e ameaças de visão de mundo, que têm que ver com políticas de aborto, gênero, direitos LGBT, etc. Enquanto os evangélicos ganharam mais espaço na sociedade e mais poder político, as ameaças materiais diminuíram significativamente. Hoje quase não há perseguição contra os evangélicos por parte da Igreja Católica como havia no passado. Nesse sentido, esse discurso não mais ecoa. Mas, ao mesmo tempo, cresceram as ameaças de visão de mundo, com a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo, propostas para liberalizar as leis de aborto, mudanças progressivas no currículo escolar, etc. Por isso, acho que o discurso de perseguição ainda ecoa. Não é mais uma perseguição da Igreja Católica; é uma perseguição de uma sociedade progressista vista como hostil aos valores tradicionais.
- Como você vê a influência dos evangélicos americanos sobre os brasileiros? Você concorda que parte considerável da política evangélica brasileira traz temas importados dos norte americanos? Se sim, quais as consequências dessa influência podemos vislumbrar para a política brasileira do futuro?
R:Eu não concordo que parte considerável da política evangélica brasileira traz temas importados dos norte americanos. A importação sugere que o modo evangélico de fazer política no Brasil é estrangeiro, implantado, que não tem verdadeiras raízes nacionais. Mas a atuação deliberada dos evangélicos no Brasil remonta pela menos à década de 1980, com a mobilização dos pentecostais para as eleições para a Constituinte. Isso ocorre apenas 6 anos após a fundação da Moral Majority nos Estados Unidos, que marca a primeira incursão significativa dos evangélicos na política eleitoral dos EUA. Vejo que a atuação política dos evangélicos no Brasil tem mais raízes nacionais do que transnacionais. Obviamente há semelhanças quanto aos temas do debate, ao discurso, etc. E, claro, há influências recíprocas. Hoje, qualquer movimento global—seja pelos direitos LGBT ou pelo nacionalismo cristão—tem contatos e influências transnacionais. Ampliando um pouco o espectro, da política evangélica ao populismo de direita, percebe-se uma influência da invasão de 6 de janeiro de 2021 nos EUA sobre a invasão de 8 de janeiro de 2023 no Brasil. Mas acho muito importante não caracterizar a política evangélica no Brasil como um fenômeno majoritariamente importado. Isto contrasta com a situação em alguns países da África, como Uganda, onde os evangélicos americanos desempenharam um papel muito importante na aprovação de duras leis contra a homossexualidade.
- Boa parte da expansão evangélica na África e em outros países da América Latina se dá a partir de igrejas brasileiras. Por que o pentecostalismo brasileiro se dá tão bem nesses países? Há, na sua opinião, alguma particularidade no evangelicalismo brasileiro que o faz ser tão bem sucedido em termos de expansão?
Não examinei em meu livro a expansão do evangelicalismo brasileiro pelo Sul Global. Pelo pouco que conheço do fenômeno, destaco duas características do evangelicalismo brasileiro que facilitam essa influência. Primeiro, existem grandes e influentes igrejas nascidas no Brasil, como a Igreja Universal do Reino de Deus. Isso quer dizer que a atividade missioneira internacional dessas igrejas está sob o controle de lideranças brasileiras e não precisa ser negociada com autoridades internacionais da denominação. A autonomia facilita a influência global. Em segundo lugar, gostaria de destacar o fato de que o Brasil é um pais grande, com tradição de influência global em muitas áreas, e com igrejas pentecostais que possuem muitos recursos financeiros. O Chile, por exemplo, também tem igrejas locais importantes, mas é um país menor, com menos ambições de influência global, e suas igrejas principais têm menos recursos financeiros. Portanto, elas têm se concentrado mais no evangelismo nacional do que internacional.
*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.
Taylor Boas é professor e coordenador do Departamento de Ciência Política da Universidade de Boston. Sua área de investigação aborda a política eleitoral, a opinião pública e o comportamento político na América Latina, centrando-se em temas como a accountability, religião, campanhas e os meios de comunicação social. É autor do livro Evangelicals and Electoral Politics in Latin America: A Kingdom of This World, publicado pela Cambridge University Press em 2023 e do livro Presidential Campaigns in Latin America: Electoral Strategies and Success Contagion, publicado pela Cambridge University Press em 2016.