Entre Muralhas e Aproximações: o Diálogo Inter-religioso no seio da Igreja Evangélica

A História da Igreja mostra o esforço, no início do Protestantismo, para que houvesse unidade entre os principais reformadores. O ano era 1529 e a cidade de Marburgo recebeu o encontro entre Lutero, Calvino e Zwinglio. O esforço, segundo historiadores da Igreja Cristã do quilate de Martin Dreher, prometia surpreender, até que esbarrou no símbolo da celebração da comunhão cristã, a eucaristia, a Ceia do Senhor. Neste momento as pontes deram lugar às muralhas dos castelos que abrigam cada sistema doutrinal. A unidade na Igreja cristã, se já não era simples, ficou pior, no caso brasileiro, por conta do bolsonarismo.

O Bolsonarismo funcionou como um Tratado de Tordesilhas para a Igreja Evangélica no Brasil. Sedimentou a separação interna da Igreja, por questões periféricas como deveria ser a ideológica, ocasionando a (talvez) irreparável perda da Unidade. Sim, o bolsonarismo afetou a missão da Igreja Cristã de viver em comunhão, ao legitimar a galáctica profissão de fé em outra coisa além de Jesus. Para o bolsonarista, seja ele “nutela” ou “raiz”, o verdadeiro crente professa concomitantemente dois tipos de fé: no Cristo e no neoliberalismo.

Com uma muralha destas separando a Igreja, as possibilidades de diálogo foram em muito reduzidas. Algumas tentativas que vêm sendo feitas, a bem da verdade, não podem ser configuradas como uma aproximação pelo diálogo. Isto porque elas têm adotado o caminho da práxis da ação. Em suma: reúne-se para fazer o que tem que ser feito, sem conversa sobre os porquês do distensionamento, nem reforço sobre o que poderia dar liga novamente, reaproximar. Sem entendimento, sem escuta: é a “unidade” no seu sentido mais pragmático.

Conquanto reconheça que tal via é melhor do que nada, que a urgência de um mundo necessitado é mais importante que a foto para o Instagram com todo mundo junto, é preciso ressaltar que tal proposição, como postula Claude Geffré, se aplica ao diálogo inter-religioso, na aproximação entre diferentes tradições religiosas. Reforço que o diálogo inter-religioso está para além do ecumenismo, da conversa entre os que estão no mesmo eixo religioso, ainda que em denominações diferentes.

Isto posto, chegamos ao ponto: o título é provocativo e não está equivocado. Ao assumir que a única conversa possível é pela via da ação, líderes evangélicos reconhecem a existência de um fosso, infestado por crocodilos (haters), que impede a vivência da Unidade da Igreja. Assume-se o outro grupo como sendo de uma tradição diferente que a cristã. Se, por um lado, tal postura cadencia uma produtiva aproximação, por outro lado a circunscreve ao campo pragmático, sepultando qualquer possibilidade futura de unidade, uma vez que as partes, embora se assumam como cristãs evangélicas, se consideram como pertencentes a tradições diferentes...

Portanto, podemos concluir que não há diálogo para esses casos. Não há trocas. Há concordâncias em termos de pautas mínimas. Mas isso, convenhamos, acontece até em armistícios entre xenófobos. Infelizmente, estamos muito longe da normalidade, em plena vigência dos feudos eclesiásticos e seus castelos.

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Pr. Dr. Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek é Mestre e Doutor em Ciência da Religião (UFJF/MG); Pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Filosofia da Religião, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF/MG); Pastor na Igreja Batista Marapendi (RJ/RJ); Professor do Seminário Teológico Batista Carioca. Autor de Bíblia e Modernidade: A contribuição de Erich Auerbach para sua recepção e co-organizador de: Fundamentalismo Religioso Cristão: Olhares transdisciplinares; e O Oásis e o Deserto: Uma reflexão sobre a História, Identidade e os Princípios Batistas. Contato: sdusilek@gmail.com