Entenda a participação de Bolsonaro na Marcha para Jesus em 2022: a política presente no evento
Esta semana organizadores da Marcha para Jesus em Vitória declararam apoio a Bolsonaro e realizarão uma motociata junto com a marcha, para deixar claro esse apoio. Como isso afeta os participantes da marcha? Haverá hostilização a Bolsonaro? Haverá esvaziamento da marcha? O que o fiel está percebendo dessa presença muito intensa da politica dentro de eventos e espaços religiosos?
Embora não fosse necessário e possivelmente não seja acompanhado pelos organizadores das Marchas de outras cidades, o posicionamento dos organizadores da Marcha para Jesus de Vitória não é uma surpresa para quem acompanha o evento. Ela faz parte de uma disputa travada entre diversos setores em torno da legitimidade de falar pelos “evangélicos”. É uma disputa na qual a Marcha sempre cumpriu um papel importante por dar visibilidade e se apresentar como um momento de apresentar a voz dos evangélicos no debate público.
Sendo um evento internacional, a versão brasileira da Marcha surgiu justamente em um período de grande participação da população em manifestações de rua no processo de impeachment de Fernando Collor de Mello. Aqui, a Marcha se assentou sobre duas concepções fundamentais: a de batalha espiritual e a de ato profético.
A ideia de que o mundo natural está permeado por uma disputa que ocorre entre Deus e o diabo e de que para cada fenômeno existe um fundamento espiritual se consolidou na segunda metade do século 20 com o avanço do pentecostalismo sob a ideia de “batalha espiritual”. Apesar de não ser uma concepção compartilhada por todas as vertentes religiosas identificadas sob o grande manto de “evangélicos”, essa noção se tornou popular, entre outras coisas, porque sua preocupação em disputar com o diabo os espaços no mundo natural impulsionou os setores identificados com ela a ações que impactam a vida coletiva de maneira muito visível.
Combinada a uma ideia que também se popularizou no período, de que o plano de Deus para seus escolhidos é de prosperidade (retomando em grande parte promessas presentes no velho testamento) a batalha espiritual passou a comportar uma ação política. Segundo essa lógica, os males do mundo são fruto da ação do diabo, a melhor maneira de combatê-los é vencendo o inimigo e retomando a cidade e o país para Jesus.
Miséria, fome, corrupção, violência, desemprego, e todos os males que povoam os debates da política seriam também demonstrações do estabelecimento do diabo no poder. Ocupar o poder com cristãos e a concepção cristã de mundo seria um modo de resolver esses problemas. Assim, o posicionamento político é ao mesmo tempo espiritual. A Marcha foi concebida, assim, como um “ato profético”, ou seja, uma retomada da cidade e do país pelos cristãos a partir de sua presença física e espiritual, “declarando” profeticamente que o país é de Jesus.
Além disso, historicamente, os setores que organizam o evento também participaram nas últimas décadas de diversas iniciativas de alianças com os setores mais conservadores da política nacional (não sem muitas contradições, pois, como sabemos, mesmo os governos do Partido dos Trabalhadores contaram com uma grande base de apoio mesmo nos setores conservadores). A disposição das alianças nesse momento, resultantes de pelo menos uma década de trabalho nas bases evangélicas de Bolsonaro e seus apoiadores é razoavelmente esperada pelos fiéis.
No entanto, embora os organizadores possuam esse alinhamento, o evento também é importante como entretenimento e sempre contou com um público interessado em também conhecer pessoas que compartilham de seus valores para construir novas amizades, namoros e sobretudo para assistir a shows de cantores gospel. Nesse sentido, a Marcha ultrapassa os interesses e o controle dos seus organizadores e o público passa a ser capaz de disputar seus sentidos e a construir também os seus ritmos. A ela comparecem não apenas os que integram a ideia de um ato profético, que não estranha a aproximação com pautas eleitorais, mas fiéis que imaginam política e religião como campos diferentes e separados.
Aparentemente, este evento tem uma vocação para essa convivência. É marcante que em 2019, em participação como autoridade que prestigiava a Marcha, a presença de Bolsonaro na Marcha para Jesus de São Paulo, por exemplo, recebeu os gritos de “mito” em simultaneidade com uma vaia grande e sonora. Não é possível adivinhar a reação dos marchantes capixabas. Mas a permanência de fiéis críticos nesse espaço, juntamente com o volume que agrega às fotos e números que contam como “apoiadores” do presidente traz uma contradição importante para pressionar a hegemonia dos setores ligados a um projeto conservador que, com aporte enorme de recursos, têm procurado hegemonizar o lugar de quem fala pelos “evangélicos”.