Enquanto evangélicos ocupam o legislativo, católicos influenciam o judiciário

Enquanto evangélicos ocupam o legislativo, católicos influenciam o judiciário
Créditos: Ascom/STF

Somos o maior país católico do planeta. Essa frase, que pode soar banal, é sobretudo um lembrete. A ausência do catolicismo nos debates sobre religião e política parece ter duas explicações. Em primeiro lugar, estamos tão habituados com a forma como catolicismo faz política, que sequer notamos. Em segundo lugar, estamos prestando atenção demais aos evangélicos, como se o catolicismo nada tivesse relação com a política.

A pesquisa, realizada em parceria com o Instituto de Estudos da Religião (ISER), examinou as formas de atuação de associações católicas conservadoras na política brasileira. Descobrimos que, embora sejam menos chamativos do que os grupos e figuras evangélicas na política brasileira, dezenas de grupos católicos têm se envolvido ativamente na nova onda conservadora do país. São quase anônimos para o grande público, mas nem por isso menos eficazes. Identificamos que a principal forma de atuação de grupos católicos conservadores não se dá por meio da eleição ao legislativo, mas sim via judiciário.

Mapeamos mais de duas dezenas de associações de juristas católicos espalhados pelo país que atuam no debate sobre moral e costumes a partir da judicialização de situações envolvendo: aborto, educação, direitos sexuais, etc. Embora algumas dessas associações sejam mais reconhecidas publicamente, como o Centro Cultural Dom Bosco e o jurista Ives Gandra Martins, há dezenas de outros grupos com menos visibilidade, mas muito atuantes no ativismo católico judiciário. Tratam-se de associações de advogados que se ocupam de pequenas causas com amplas repercussões. Por exemplo, impedir juridicamente um processo legal de abortamento e processar canais do YouTube que façam videos de comédia sobre religião.

Essas associações surgem principalmente na década de 2010. Em se tratando de uma instituição tão hierárquica como a Igreja Católica, um fenômeno como o surgimento de associações jurídicas leigas nunca é apenas local, ou uma singularidade brasileira. Por trás do crescimento dessas associações jurídicas de precedência católica, identificamos a emergência de associações congêneres noutros países da América Latina e Europa, demonstrando a complexidade, abrangência e caráter internacional deste fenômeno. Formam uma rede international de circulação de ideias e estratégias políticas conservadoras.

E essa rede tem dinheiro. Igualmente internacional é a rede de financiamento e apoio mútuo das associações jurídicas católicas. Custeando o funcionamento e manutenção dos grupos de ativistas católicos brasileiros, identificamos a existência de operações financeiras internacionais, que sustentam dois braços importantes de atuação dessas associações. Primeiro, o financiamento internacional custeia as próprias ações jurídicas movidas no Brasil e na América Latina. Segundo, essa rede internacional de financiamento contribui ainda para a formação de novos quadros de juristas católicos, que também atuarão nas ações movidas pelas associações.

Estamos diante de um movimento orgânico que retroalimenta o ativismo católico jurídico. Por mais silenciosos que sejam e por mais habituados que estejamos a essa forma de conservadorismo, não olhar para o universo católico em nossas análises sobre política e religião no Brasil é fazer a discussão pela metade.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Rodrigo Toniol é professor de Antropologia da UFRJ. Membro da Academia Brasileira de Ciências. Ele pode ser contatado pelo Currículo Lattes ou pelo email rodrigo.toniol@gmail.com