Dom Reality abre portas para artistas gospel
Nas décadas de 80 e 90, o apresentador Silvio Santos animava as tardes de domingo recebendo cartas de telespectadores que apresentavam seus desejos e sonhos. Antes de transformar os sonhos em realidade, como se fosse uma varinha mágica, ele dizia: “vamos abrir as portas da esperança.”
A caminhada do artista brasileiro pode ser descrita como uma jornada em busca de portas abertas. Estas não precisam estar escancaradas; basta apenas uma fresta para que se tenha esperança de fazer da arte um ganha-pão e uma forma de transmitir uma mensagem às pessoas. Nesse sentido, os já famosos realities shows de música surgem como realizadores de sonhos, seguindo a trilha do programa de Silvio Santos.
Surgido no fim dos anos 1980, e representando mais de 20% da indústria fonográfica no Brasil, de acordo com o Spotify, o mercado gospel ainda não possuía um reality show para chamar de seu. Em 2022, esse cenário mudou com o lançamento do Dom Reality, o pioneiro reality show de música gospel no país, realizado pela UniCesumar e que está sendo transmitido via YouTube.
O Dom Reality surgiu a partir de uma conversa entre Paulo Alberto, uma figura estabelecida no mercado gospel, com vasta experiência na coordenação de grandes projetos e colaboração com renomados artistas, e Tiago Stachon, cuja trajetória profissional abrange o campo da educação, ocupando atualmente o cargo de vice-presidente da Vitru Education, empresa responsável pela gestão de instituições de ensino superior como Uniasselvi e UniCesumar.
Perguntei ao Paulo o que o motivou a criar o reality. Ele me respondeu: “Eu queria muito poder proporcionar algo inédito pro entretenimento cristão brasileiro. Foi quando o Tiago Stachon, que é da Unicesumar, entendeu que o propósito do projeto colaborava e comunicava com o que eles queriam fazer.”
Recebendo em volta de 3.000 inscritos nas duas temporadas, Paulo Alberto sabe que está lidando não apenas com potenciais estrelas do mercado gospel, mas com sonhos. “O Dom é uma porta que vai oportunizar essas pessoas a mostrarem o seu trabalho pro Brasil”, diz Paulo. A cada temporada são selecionados 30 participantes, que passam por etapas de eliminação. Semanalmente, são 5 eliminados até a grande final por jurados de gabarito: Ana Paula Valadão e Mariana Valadão (Diante do Trono), Thalles Roberto, Mauricio Soares (ex-diretor da Sony Music Gospel), Aline Barros, entre outros.
Além das enormes dificuldades operacionais, Paulo mostra que há desafios mais profundos na produção do reality. “Temos a responsabilidade de entregar um produto muito homogêneo e lindo. E ao mesmo tempo conseguir dimensionar a riqueza cultural do Brasil em timbres, estilos, sons e possibilitar essa mescla dentro do próprio programa.”
Artistas de todo o Brasil estão presentes no programa. É o caso de Aymeê, de 28 anos, nascida em Belém do Pará e que hoje mora em Redenção, no sul do Pará. É integrante do projeto “À Mesa Worship” e lançou dois singles em carreira solo. Perguntada sobre o que a motivou a se inscrever, ela diz: “O Dom Reality veio como uma porta aberta e um convite do céu pra eu entrar com toda a minha arte.” Após quatro semanas, ela ainda permanece na competição e resume seu sonho: “seguirei firme com a minha brasilidade e verdade dentro da minha fé, da minha cultura e da minha vida.”
Já a cantora Hevelyn Fermino, de 23 anos, de Imbituba (SC), deixou o programa mais cedo, mas mantém a alegria por sua participação: “ser uma das selecionadas do Dom para levar a minha história diante de nomes tão grandes foi extraordinário.” Para a catarinense, o fim do programa é só o começo de uma jornada: “o Dom foi um start, abriu minha mente, me fez entender que a minha verdade me veste e eu só preciso colocá-la pra fora”.
Como alguém que já adentrou a porta do Dom Reality e ganhou um pouco de esperança para construir a sua carreira está Julia Ferguss, vencedora da primeira temporada. Com 21 anos e de Maringá (PR), além de conquistar o primeiro lugar, ganhou um contrato de cinco anos com a Sony Music, um videoclipe, gestão de carreira, destaque editorial na Deezer e 100% de bolsa no curso de Design Musical da UniCesumar.
Para Julia, porém, o mais importante não está nos prêmios vencidos. “A vitória foi muito além dos prêmios. Ganhar foi como receber um feedback positivo e incentivador das pessoas ao meu redor, sobre o meu dom, o meu talento e aquilo que acredito.” Do programa, Julia carrega uma experiência transformadora que a ajudou a enxergar melhor muitas outras coisas. “Uma dessas coisas foi entender e abraçar o fato de que sou uma artista.” Julia Ferguss lançou o single “Silêncio” com direito a clipe e prepara novos lançamentos para o público.
Caminhando pela corda bamba entre o entretenimento e a “adoração”, o Dom Reality se mostra como um caminho de esperança para artistas que desejam seguir o mercado gospel.
* Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.
Arthur Martins é graduado em Filosofia (UCB) e mestrando em Ciências Sociais (PPCIS/UERJ), onde desenvolve pesquisa sobre cultura, música popular e religião. É compositor, músico e cantor do Rio.