Discurso heteronormativo de Silas Malafaia é digno de honra na Assembleia Legislativa da Bahia

Discurso heteronormativo de Silas Malafaia é digno de honra na Assembleia Legislativa da Bahia

O estado da Bahia, que vem se tornando cada vez mais evangélico - no contingente populacional e na política - agora terá mais um cidadão que se tornou destaque por lutar pela liberdade de seu povo, na ótica de seus parlamentares. Trata-se do Silas Malafaia, pastor da Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, bolsonarista, e que ultimamente tem ganhado muitos holofotes devido aos embates com o candidato à prefeitura de São Paulo Pablo Marçal. Neste contexto, em que a extrema-direita se mostra bastante atuante em todo o Brasil, a Assembleia Legislativa da Bahia (Alba) aprovou, no mês passado, uma proposição que concede a Malafaia a Comenda 2 de julho, a honraria de mais alto escalão no estado baiano. A justificativa do deputado Samuel Junior, autor da proposta, foi que o pastor assembleiano merece a homenagem por defender a heteronormatividade e também a família e os valores cristãos. 

 Heteronormatividade é a terminologia que demarca a heterossexualidade como um padrão social e, consequentemente, despreza todas as outras formas de sexualidade. E é exatamente isso que o Silas Malafaia faz, ao discriminar a homossexualidade e as outras configurações de família em seus sermões e na militância política. Segundo o deputado Junior justificou em sua proposta, Malafaia vem sofrendo perseguição nas redes sociais e de programas de televisão e merece ser homenageado em função de seu trabalho como ativista político e como cristão. E a homenagem que agora lhe é concedida diz muito sobre o contexto político e religioso que marca a Alba e também o estado da Bahia nos últimos anos. 

 Em fevereiro deste ano, foi instalada a Frente Parlamentar Evangélica estadual, cuja composição é de 24 deputados do conjunto de 63 parlamentares em exercício, ou seja, um percentual de quase 40%. Além disso, a Casa Legislativa passou a contar com outra frente conservadora, que foi inaugurada no último mês de março: A Frente Parlamentar em Defesa dos Valores Cristãos, que tem como presidente o deputado Leandro de Jesus, católico, bolsonarista, e que atua “em defesa da cristandade pelo reinado de Cristo”, mediante está em suas redes sociais.

 O responsável pela honraria à Malafaia é membro da Assembleia de Deus e já está em seu terceiro mandato na Alba pelo Republicanos. Ele entrou para a política em 2014 com o apoio da Convenção Estadual das Assembleias de Deus da Bahia (Ceadeb) por meio do AD Cidadania. Esse projeto é fruto do AD Brasil Cidadania,  criado em agosto de 2001 pela Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CGADB) para lançar os candidatos oficiais da igreja na Câmara Federal. De lá para cá, as convenções estaduais vêm criando os seus projetos para expandir o número de parlamentares assembleianos para as Casas legislativas estaduais e municipais. Samuel Junior foi o 5º deputado estadual mais votado nas últimas eleições e, segundo informações de seu site, a sua atuação se dá em prol do fortalecimento da família, da vida e dos valores éticos e cristãos. 

 Quando foi colocado no estatuto da Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional (FPE), em 2003, que uma de suas missões era criar bancadas evangélicas em todos os estados brasileiros e eleger pelo menos um vereador evangélico em cada município, seus idealizadores não estavam de brincadeira. Pouco antes, a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e a AD já tinham criado seus próprios projetos para lançar seus candidatos oficiais, mas a minha tese é que o projeto de poder que pretende englobar todos os evangélicos só começou a ser construído, de fato, com a inauguração da FPE. 

 Na Bahia, onde o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010 apontava que 65% da população era constituída de católicos e 17,4% de evangélicos, a estratégia da convenção estadual da AD associa seu projeto político ao assistencialismo, uma combinação que tem se mostrado imbatível para eleger seus representantes. Em uma matéria sobre o sucesso da AD nos pleitos eleitorais, o site Política Livre divulgou que seu projeto “Servos Juntos” tem o objetivo de evangelizar pequenas cidades da Bahia onde a população é carente, levando atendimento médico, psicológico, jurídico, entre outros. Junto dessa política assistencial está o projeto AD Cidadania, com a finalidade de orientar os líderes religiosos da denominação a se capacitarem para ocupar os espaços públicos e atuarem com base nos preceitos bíblicos. Desse combinado, já dá para intuir que uma comunidade grata certamente vai eleger o servo de Deus que representa a Igreja, que substitui o papel do Estado e a socorre nas suas necessidades básicas. 

 De acordo com o site Política Livre, a Ceadeb possui 5.200 congregações e um rol de mais de 280 mil membros em todo o estado baiano. Em 2018, o presidente desta convenção, o pastor Valdomiro Pereira, declarou a esse veículo que “Deus tem aberto as portas e logo estaremos nas câmaras de vereadores, prefeituras, Congresso Nacional e no Senado, pois precisamos de pessoas que realmente tenham compromisso com a comunidade, que tenham respeito com suas lideranças e saibam conduzir os mandatos com a vocação de lutar pelo bem do povo”. O problema é que o “povo”, para esses parlamentares, inclui somente os cristãos ou aqueles que se sujeitam a viver conforme prega a bíblia. É a imposição de uma heteronormatividade, que exclui qualquer possibilidade de ser ou de pensar diferente da perspectiva cristã.

 O estado da Bahia é apenas um exemplo do alcance do projeto de poder dos evangélicos, que começou na Câmara Federal e já se estende para as Casas legislativas estaduais e municipais. Não se trata aqui de demonizar os políticos evangélicos e nem de fazer sensacionalismo. Basta olhar para o fazer político desses parlamentares, seus projetos de lei e seus discursos nas comissões e em Plenário. E o agravante é que o conservadorismo que os une junto à grande parte dos brasileiros não é só evangélico. Este projeto de poder em curso conta com o apoio dos católicos e dos associados à extrema-direita, que dissemina a retórica do ódio na esfera digital, com a propagação de fake news, enquanto pastores direcionam o rebanho para o caminho da direita ideológica dentro das igrejas.