Diálogos amazônicos e os desafios para as igrejas na Amazônia

Diálogos amazônicos e os desafios para as igrejas na Amazônia
Cacique Raoni durante a abertura dos Diálogos Amazônicos, em Belém (PA). Créditos: Roberta Aline/MDS

Entre os dias 04 e 06 de agosto ocorreu, na cidade de Belém/Pará, o encontro Diálogos Amazônicos. Esta atividade integrou a Cúpula da Amazônia que reuniu, no período de 08 a 09 de agosto, chefes de Estado dos oito países que integram a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA): Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. O objetivo principal da Cúpula é o de dar início a um novo momento na cooperação entre os países que são cobertos pelo bioma amazônia, compromentendo-se com uma política comum para o desenvolvimento sustentável na região, por meio do diálogo regional e do fortalecimento das relações entre as entidades governamentais e civis dos países da OTCA.

Os Diálogos Amazônicos, que antecedeu a Cúpula da Amazônia, teve como objetivo pautar a formulação de novas estratégias para a região. Coube aos Diálogos Amazônicos, por meio do diálogo entre governo e sociedade civil elabroar propostas participativas alicerçadas nos interesses das comunidades e povos da Amazônia.

Circularam no Centro de Convenções e eventos de Belém em torno de 24 mil pessoas de diferentes países e regiões do Brasil. O evento contou com uma rica participação de povos e comunidades originárias e tradicionais. Visibilizou a cultura rica e diversa das florestas e inúmeros produtos confeccionados de forma amigável com as florestas.

Entre as 24 mil pessoas, estiveram presentes várias organizações baseadas na fé das mais diferentes tradições, espiritualidades e cosmogonias. Comum às diversas tradições de fé estava a pergunta sobre o papel das religiões e das espiritualidades para a preservação da Amazônia e os seres que habitam este diverso e complexo território.

Das atividades promovidas por igrejas e outras organziações baseadas na fé, destaco o evento “Religões em Ação – por uma Amazônia Sustentável”, promovido pela Inicitativa Inter-religiosa pelas Florestas Tropicais. A atividade foi concorrida, o que indica a relevância do debate público sobre espiritualidades, meio-ambiente e cooperação inter fés. Participaram da atividades tradições de fé do Peru, Colômbia e Brasil.

Não há como relacionar espiritualidades – cosmogonias – religiões sem considerar e assumir que na Floresta habitam diversas compreensões de sagrado. Os povos amazônicos têm suas tradições e espiritualidades que brotam das águas, das folhas, dos ventos, das árvores e de seus mitos, que procuram explicar os mistérios inerentes a uma imensa floresta que é, ao mesmo tempo, amigável e acolhedora e perigosa. A floresta, como ser vivo, exige respeito e ela reage quando o desrespeito se impõe.

No entanto, apesar destas inumeras espiritualidades originárias e tradicionais da região, a Amazônia, desde a perspectiva religiosa é área de expansão missionária, que nem sempre é amigável com os sagrados locais.

Profliferam na região templos cristãos das mais variadas placas confessionais. A maioria prometendo salvação, que, na maioria das vezes, exige abdicar das festas locais, da sacralidade dos rios, das árvores, dos animais, dos encantados, dos orixás, das folhas e do próprio som da floresta, que é associada ao demoníaco e que, portanto, deve ser combatido.

A  compreensão colonialista de que agências missionárias têm o compromisso de levar a Boa Nova cristã segue viva nas diferentes regiões da Amazônia. Esta compreensão mantém-se mesmo quando indígenas isolados e de recente contato reivindicam o seu direito de não ter contato com nada que possa impactar em seu modo de vida, em seus costumes e cosmogonias.

A preservação da Amazônia impõe às diferentes vertentes do cristianismo que querem ampliar sua presença na região, alguns desafios urgentes, afim de que tenham no horizonte o compromisso com a região de forma transparente, ou seja, que o discurso pela proteção da floresta e seus povos não seja uma retórica disfaçada em proselitismo. As consequências entre cruz, espada e dinheiro estão bastante vivas na região.

Um dos primeiros desafios é repensar o próprio sentido do anúncio do Evangelho. Ao ouvir organizações e comunidades indígenas que defendem o direito de indígenas isolados e de recente contato, a Amazônia provoca pensar se realmente a função missionária é anunciar a Boa Nova do Evangelho para quem optou por não recebê-la. O direito a não querer contato, nos impõe a reflexão de que talvez o melhor anúncio é nao anunciar para que povos tenham o direito de existir.  A Boa Nova aqui, parte das Florestas e ela diz: deixem-nos viver em paz e do nosso jeito, para que o planeta siga seu curso sem imposições. A diversidade de sagrados é a resposta para que a vida no planeta continue.

Sabemos que há inúmeras pessoas indígenas convertidas ao cristianismo tanto evangélico quanto católico romano. Algumas destas pessoas conseguem manter sua tradaição e culturas indígenas ao mesmo tempo em que vivem a fé cristã. No entanto, penso que a Amazônia nos provoca a acolhermos a Boa Nova anunciada pelos povos da Floresta. Como bem disse David Kopenaua em seu livro a Queda do Céu, o povo do dinheiro não conhece os cuidados exigidos pelos Encantados que manterão a floresta em pé. Nós, povo do dinheiro, precisamos ouvir o chamado profético dos povos da Floresta. A fé que levamos para eles nem sempre é garantidora de vida.

A Amazônia exige a dialogicidade, isso significa, que precisamos romper com a pratica de uma conversa que se disfarça de dialogo. Ou seja, te ouço para te converncer que tua forma de existência não vale.

As vivências espirituais de muitos povos indígenas e quilombolas se caracteriza pela circularidade. Chamo a atenção para o Toré dos povos indígenas, que são danças em circularidade, conduzidas por uma liderança espiritual com cantos para os sagrados que habitam as florestas. O Bem dizer está presente nos torés em vários momentos. Fica a provocação para as igrejas repensar sua hierarquia patriarcal e aprender com a espiritualidade do Toré a possibilidade da circularidade e da horizontalidade e que possibilita que todas as pessoas sejam sujeitos.

Por último, a Amazônia nos provoca a repensarmos o próprio direito humano à liberdade religiosa. O direito à liberdade religiosa surge nos contextos de guerras religiosas na Europa. O Brasil assumiu este direito que historicamente privilegia grupos religiosos hegemônicos. Povos indígenas e de Terreiro não foram incluídos no direito à liberdade religiosa, porque no passado se considerava que o que eles praticavam não era religão, no sentido de um conjunto de doutrians e dogmas que devem ser seguidos.  Na floresta habitam inúmeros sagrados. Ela reivindica muito mais que o direito á liberdade religiosa. Ela reivindica o direito às espiritualidades, ao não proselitismo e de seguir existindo.

A pergunta é se, nós povos do dinheiro, estamos dispostos a ouvir este anuncio e de acolher esta boa nova, que, diga-se de passagem, confronta a maior das idolatrias que é a idolatria do dinheiro. É da Amazônia que vêm o confronto com o Deus dinheiro que está sedento do sangue dos povos e demais seres vivos da floresta.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site


Romi Bencke é pastora da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, graduada em Teologia pelas Faculdades EST (São Leopoldo), mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião da UFJF. Em 2013 recebeu o prêmio de Direitos Humanos na categoria Promoção e Respeito à Diversidade Religiosa. Atualmente ocupa a função de secretária geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC) e integra o grupo coordenador do Fórum Ecumênico ACT Brasil.