Desafios e Contradições: Feminismo e a Complexa Relação com a Fé

Desafios e Contradições: Feminismo e a Complexa Relação com a Fé

Ao abordar a intricada relação entre mulheres feministas e mulheres evangélicas, deparamo-nos com um cenário complexo, marcado por desafios e contradições que permeiam não apenas as igrejas, mas a sociedade como um todo.

No passado, algumas igrejas evangélicas ofereciam escasso espaço para problematizações entre o público mais jovem, ainda que mantida a visao de rígidos papéis atribuídos a homens e mulheres. A visão do feminino predominante estava( e permanece) intrinsecamente ligada à lógica do "bela, recatada e do lar".
Contudo, o tempo passou, e hoje esse espaço parece ter diminuído ainda mais.

Durante a última eleição, o feminismo tornou-se um tema demonizado, levando à desistência de muitas vozes que, cansadas, entregaram os pontos. Aquelas (es) que se identificam como feministas, votam em partidos de esquerda ou defendem minorias, encontram-se, muitas vezes, marginalizadas(os) no contexto religioso, sendo questionadas(os) inclusive quanto à sua fé.

Ao desistir da resistência, abre-se espaço para uma leitura de mundo que pinta a igreja como antifeminista.
No entanto, essa visão conservadora não se restringe apenas ao âmbito religioso. Mulheres que buscam realização profissional são contestadas, sugerindo que isso representaria uma afronta à capacidade do homem de prover para a família.

Ao observar as desigualdades entre os sexos, as dificuldades enfrentadas por mulheres, as violências, assédios e disparidades salariais, surge a indagação: as evangélicas que se posicionam contra o feminismo consideram essas situações justas? Conseguem compreender que os direitos que desfrutamos hoje foram conquistados através da árdua luta feminista, não concedidos generosamente pela sociedade?

É fundamental que essas mulheres compreendam que não é necessário rotular-se como feministas, mas é ingênuo ou até mesmo mal-intencionado ignorar os direitos conquistados. O discurso antifeminista, muitas vezes adotado por elas, revela-se prejudicial, contribuindo para uma sociedade que perpetua desigualdades.

Ao não questionar o machismo, independentemente da idade ou poder aquisitivo, corre-se o risco de tornar-se alvo do próprio machismo. Exemplificando tal situação, temos o caso de Ana Hickman, uma figura aparentemente empoderada, mas que vivia ao lado de alguém que a via como um mero objeto, uma mercadoria a trazer lucro à família.

A narrativa distorcida de que o feminismo destrói as famílias ao ser a favor do aborto é desmascarada (na verdade, a questão é a descriminalização). As mulheres são constantemente instruídas sobre como agradar e segurar os homens, enquanto estes, em raras exceções, não são orientados a considerar o prazer da mulher com quem compartilham suas vidas.

Atualmente, vemos esse pensamento da extrema direita transcender as fronteiras religiosas, fortalecendo a visão machista preexistente e renovando-se de maneira mais estruturada. Exemplos como Fabiana Bertotti, da Igreja Adventista, que se autodeclara antifeminista após afirmar ter sido feminista, evidenciam como essa postura pode ser utilizada como estratégia de marketing, angariando seguidores e perpetuando ideias prejudiciais.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Romilda Costa Motta é Doutora em História pela Universidade de São Paulo. Cristã e feminista, suas pesquisas inserem-se na area de Historia das Mulheres e Relações de Gênero.