Debate sobre o aborto entre evangélicos: valores, direitos e controvérsias

Debate sobre o aborto entre evangélicos: valores, direitos e controvérsias

Diante de uma possível antecipação de voto por parte da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, sobre a descriminalização do aborto nas 12 primeiras semanas de gestação, foi redigido uma nota em “proteção do direito à vida” em nome de uma associação de juristas que se identifica com o segmento evangélico.

Tal documento tem como objetivo demarcar posicionamento contrário a aprovação da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 442 (ADPF 442), na qual trata da descriminalização do aborto. A ministra é a relatora desta ação que descriminalização o ato de casos de abortos voluntários feitos nas 12 primeiras semanas de gestação, e manifestou a intenção de antecipar seu voto caso a corte não consiga concluir a decisão antes da data de sua aposentadoria, que será em setembro.

O texto produzido por este segmento de identidade evangélica é assinado por mais de 30 pastores líderes de associações, envolvidos com a Frente Parlamentar Evangélica, instituições evangélicas, organizações e diversas igrejas que se colocam como defensores da vida.

Tal debate em torno da descriminalização do aborto é complexo e envolve questões teológicas e éticas, porém o que realmente está em jogo nesta controvérsia são os direitos das mulheres.

De acordo com a concepção do documento redigido pelo segmento, a vida é um direito primordial, uma “dádiva divina”, algo que Deus proporcionou e que não deve ser interrompido. Porém, algo que não é levado em consideração é o direito à liberdade de escolha e à dignidade humana das mulheres. A disputa se faz a partir do significado de “vida” e do que representam os direitos, em específico, os direitos humanos. Qual direito vale mais, o da mulher ou o do feto? De forma bastante resumida, é em torno disto que se dá a discussão.

Segundo Magali Cunha, todos os 40 membros da associação de juristas e signatários que redigiram a carta que busca pressionar o Supremo Tribunal Federal contra a aprovação da descriminalização são homens.

Porém, algo que é bastante comum nestes posicionamentos de atores evangélicos em torno da defesa da vida é o fato de que este grupo defende a preservação da vida mesmo em casos de anencefalia, como analisa a pesquisadora Lilian Sales em seu artigo acerca da controvérsia em torno da questão da anencefalia envolve grupos religiosos a favor e grupos contrários ao aborto em casos de anencefalia.

Defendem a preservação da vida do feto, mas não defendem os direitos humanos de crianças assassinadas pela polícia, por grupos milicianos, ou jagunços que atacam e assassinam agricultores e suas crianças em nome de conflitos de terras.

Não há se quer uma carta em nome de crianças indígenas que são mortas em ataques dentro de seus territórios por grupos de garimpeiros ilegais.

Diante disto, é impossível não se perguntar: qual vida que está sendo defendida?
Uma vez que não há se quer nenhuma publicação de comoção por parte dos 40 homens que falam em nome de instituições que “protegem a vida”.
Será que querem proteger a vida, ou apenas serem contrários aos direitos das mulheres de decidirem sobres seus corpos? Fica o questionamento.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Manuela Löwenthal é Doutoranda em Ciências Sociais pela UNIFESP, pesquisa temas vinculados à Religião e Política no Brasil. Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista (2012), onde também obteve o título de mestre. É pesquisadora  do projeto Temático "Religião, Direito e Secularismo: A reconfiguração do repertório cívico no Brasil contemporâneo", financiado pela FAPESP.  Atua também como Professora de Sociologia na Rede Estadual Paulista.