Crescimento evangélico nos Conselhos Tutelares reflete mudanças na sociedade

Segundo um documento produzido pelo Instituto de Cooperação Pública e Social (ICPS) sobre a tendência política religiosa dos candidatos eleitos para cargos de Conselhos Tutelares da cidade de São Paulo em 2023, a disputa deste ano se destacou principalmente pelo forte cunho político religioso, e culminou na vitória eleitoral de um número bastante expressivo de candidatos ligados de alguma forma a instituições religiosas pentecostais e neopentecostais, com destaque para a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD).
A presença da IURD na política nacional, não é algo recente, e vêm se consolidando ao longo das últimas décadas. É possível afirmar que a história da IURD e a história da democracia brasileira se confundem: em 1986 a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) elegeu o primeiro representante político no Congresso, na eleição seguinte elegeu mais três representantes congressistas, e a partir de então esta denominação se movimentou para ocupar a esfera pública, elegendo a cada nova eleição um número maior de representantes.
É importante frisar que a Igreja Universal do Reino de Deus não foi a única a ocupar cargos políticos, diversas outras igrejas ligadas ao pentecostalismo e neopentecostalismo passaram a se articular politicamente, formando o que hoje conhecemos como a Frente Parlamentar Evangélica, ou Bancada Evangélica, formada principalmente pela Igreja Universal do Reino de Deus, a Assembleia de Deus e a Igreja Batista que reúnem 58% dos 93 parlamentares evangélicos na atual legislatura (2023).
Ao longo das últimas décadas, o campo religioso brasileiro diversificou-se interiormente e foi gestando novas modalidades de articulações e relações entre os seus diferentes membros e vertentes, aos poucos atores e agências religiosas foram assumindo uma presença mais atuante e relevante na esfera pública, alterando consideravelmente o que se entendia por sincretismo brasileiro.
A presença marcante de evangélicos no espaço público brasileiro é atravessada principalmente por uma influente força midiática e ascensão política que evidenciou por um lado as igrejas históricas de sua representação do protestantismo brasileiro, e por outro lado, representações do mundo que articulam rupturas morais e comportamentais em relação ao organismo social e a dinâmica da sociedade brasileira.
Embora a Frente Parlamentar Evangélica seja um bloco heterogêneo em suas denominações, se fortaleceu e foi ganhando cada vez mais destaque nas discussões parlamentares, principalmente em pautas ligadas à "defesa da moralidade cristã e da família", criando uma identidade comum em torno de temas relacionados à sexualidade, à educação sexual nas escolas e à reprodução da vida, fato que foi reforçado intensamente com a eleição do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, em 2018.
Essa identidade tem duas facetas: por um lado atua como uma demarcação da presença evangélica em oposição aos privilégios da igreja católica na esfera pública ao longo da história social e política do país, e por outro lado se expressa como uma resistência aos avanços de direitos ligados às minorias, como o movimento feminista, negro, ambientalista e LGBTQIA+, principalmente no tocante a questões relacionadas a gênero e sexualidade, uma vez que os avanços nessas pautas são vistos como uma ameaça ao modelo de família tradicional defendida por vertentes evangélicas conservadoras.
É a partir dessa pauta que alguns setores da igreja evangélica passam a se interessar por cargos de Conselheiros Tutelares, uma vez que este órgão lida diretamente com a questão da família. Porém, na prática, pelo que está sendo analisado em minha pesquisa de doutorado, há pouca ação por parte de evangélicos conservadores nesse sentido, uma vez que as regras e normas sobre a atuação de conselheiros não deixam espaço para a implementação desses preceitos.
Nesse sentido, ao analisar a entrada de evangélicos nos Conselhos Tutelares, é necessário também entender o panorama de forma ampla, na qual envolve diversas transformação políticas e históricas no quadro social brasileiro das últimas décadas, e que está vinculado principalmente a um crescente movimento político.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Manuela Löwenthal é Doutoranda em Ciências Sociais pela UNIFESP, pesquisa temas vinculados à Religião e Política no Brasil. Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista (2012), onde também obteve o título de mestre. É pesquisadora  do projeto Temático "Religião, Direito e Secularismo: A reconfiguração do repertório cívico no Brasil contemporâneo", financiado pela FAPESP.  Atua também como Professora de Sociologia na Rede Estadual Paulista.