Conflito Israel-Palestina traz influência dos evangélicos também em temas de política externa
O crescimento evangélico e a transição religiosa que o Brasil vem passando traz para o centro do debate nacional uma série de temas que, para os desavisados ou pouco afeitos ao mundo religioso, pode trazer estranhamento ou surpresa. É o caso do conjunto de temáticas envolvendo as agendas de gênero, sexualidade e costumes.
Agora, no entanto, estamos vendo os evangélicos influenciarem a política nacional também a partir das suas posições sobre política externa. Isso pois a grande maioria desse segmento vem expressando opiniões fortemente alinhadas com Israel.
A razão disso, como muitos já vem apontando, é que há uma leitura teológica sobre o fim dos tempos que leva em consideração o povo de Israel, e que é associada ao atual Estado de Israel. Diria também que, entre os evangélicos comuns, desconectados dos debates teológicos em si, há um fator psicólogo que atua pelo posicionamento pró-israelense: como a Bíblia trata de Israel a todo momento, e tem a concepção de que seu povo é “o povo de Deus”, há uma transposição automática dessa abordagem para o presente. É claro que, em termos factuais, o Estado de Israel não tem qualquer relação com o Israel bíblico. Não ser anacrônico, no entanto, é uma tarefa cada vez mais difícil nos dias de hoje. Se historiadores - os mais treinados para lidarem com o passado- cometem o pecado do anacronismo constantemente, quem dirá as pessoas comuns.
O ponto é que, por conta da importância que evangélicos dão para Israel, o posicionamento em em relação ao conflito virou umas das grandes questões da política nacional - muito mais que outros conflitos, como o da Ucrânia, ou qualquer outro tema da política externa. Por conta disso, todos os políticos e personalidades públicas tiveram que se posicionar. Para a esquerda, a situação, mais uma vez, não é fácil. O campo progressista deseja dialogar melhor com evangélicos, mas o tema e o posicionamento histórico em favor da Palestina torna a situação difícil. Isso porque, na concepção do bloco majoritário, há pouca margem para nuances nessa questão.
Com o crescimento dos evangélicos no Brasil não devemos estranhar se outros temas, ligados a leituras religiosas e pouco previsíveis para os analistas, virem a público.
Nota final: Na Argentina, nessa última semana, Benegas Lynch - o principal ideólogo do candidato Milei e fortemente alinhado ao grupos evangélicos do país - propôs que o país corte relações com o Vaticano. Como podemos ver, os hermanos estão rumando o mesmo caminho que o nosso.
*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.
Vinicius do Valle é Doutor e mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP). Graduado em Ciências Sociais pela mesma Universidade (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - USP). Realiza pesquisa de campo junto a evangélicos há mais de 10 anos. É autor, entre outros trabalhos, de Entre a Religião e o Lulismo, publicado pela editora Recriar (2019). É diretor do Observatório Evangélico e professor universitário, atuando na pós-graduação no Instituto Europeu de Design (IED) e na Faculdade Santa Marcelina, ministrando disciplinas relacionadas à cultura contemporânea e a métodos qualitativos. Realiza pesquisas e consultoria sobre comportamento político e opinião pública. Está no Twitter (@valle_viniciuss).