Como as teologias do Domínio e Coaching vêm sendo mobilizadas na campanha política

Como as teologias do Domínio e Coaching vêm sendo mobilizadas na campanha política

Na festa de comemoração pelo aniversário de 25 anos da Igreja Videira, no último dia 7, o candidato à prefeitura de São Paulo Pablo Marçal teve um momento especial no palco do estádio Serra Dourada, em Goiânia, para falar alguns minutos com os fiéis, que o receberam com gritos e palmas. No decorrer de seu discurso, deu para perceber muito bem como as teologias Coaching e do Domínio vêm sendo mobilizadas para convencer que o espaço dos evangélicos é na política e que, por isso, o eleitor cristão tem o papel de ajudar a elegê-los. A fim de aumentar o seu poder de persuasão, Marçal realiza um mix entre a teologia do Domínio e a Coaching, passando a imagem de que o cristão está fadado a prosperar, basta que tome posse da profecia e seja ele mesmo o protagonista de seu sucesso.

De acordo com Marçal, é preciso que os evangélicos “entrem na guerra espiritual pelo país”, deixando claro que “eleição não é negócio que o cristão tem que sair”. Essa retórica reflete o que preza a Teologia do Domínio, uma corrente estadunidense segundo a qual os espaços públicos devem ser ocupados pelo povo de Deus, pois este foi designado para governar a nação. Essa teologia está baseada no livro de Gênesis, capítulo 1, versículo 27, que diz: “Criou Deus o homem e a sua imagem, à imagem de Deus o criou, homem e mulher os criou. Deus os abençoou e lhes disse, sejam férteis e multipliquem-seEncham e subjuguem a terra. Dominem sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se movem pela terra”.

Com base na interpretação literal dessa passagem bíblica, evangélicos vêm trabalhando para eleger cada vez mais irmãos de fé, além de pleitearem cargos no executivo e no judiciário, tendo como pano de fundo a existência de uma guerra espiritual, na qual é necessário destituir o inimigo, outra característica da teologia do domínio. Quem acompanhou o evento “Despertar Profético”, que ocorreu em junho deste ano, em Brasília, viu o quanto dessa teologia esteve presente nas falas dos juízes, parlamentares, prefeitos e governadores que estiveram na conferência. O principal objetivo desse encontro foi discutir estratégias para eleger candidatos evangélicos, em especial na esfera municipal.

“Guerra cultural”, “batalha do bem contra o mal”, “luta do mundo espiritual com o mundo secular”, entre outras expressões, foram marcantes nas falas dos participantes, muito voltadas para o papel dos evangélicos no projeto de país em curso, que é transformar o Brasil em uma nação que seja agradável aos olhos de Deus. E para que isso seja possível, é preciso derrotar o inimigo, o que significa tirar a esquerda do poder. Nas palavras do desembargador aposentado Sebastião Coelho da Silva, “a esquerda serve ao inimigo e é contra todos os valores que nós defendemos”. 

Neste mesmo evento, a vereadora de Fortaleza Priscila Costa sintetizou em sua fala a Teologia do Domínio, ao citar a passagem bíblica de Mateus 16:18 – “[…] sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” – para ilustrar a guerra que o chamado povo de Deus trava no mundo da política.  Segundo ela: “[…] esse versículo está dizendo que a igreja vai ocupar tudo, vai conquistar tudo até o ponto de ela chegar nas portas do inferno e essas portas vão ter que se abrir, porque nem as portas do inferno resistirão a essa igreja que está ocupando e fazendo a diferença”.

Quando Marçal pegou o microfone na festa de aniversário da Videira, além de trazer a ideia de dominação e de guerra espiritual, ele mobilizou elementos da Teologia Coaching, que é uma nova versão da Teologia da Prosperidade. Ao observar a sua fala, fica até difícil identificar se ele estava fazendo, na verdade, uma palestra motivacional, ou uma pregação, tendo em vista que ele mesclava um enunciado que tem o homem como o “empreendedor de si” e, ao mesmo tempo, próspero devido a um “movimento da graça e do reino”, como ele mesmo disse.

Nas palavras de Marçal “este é o momento da nossa geração [...] invista tudo o que puder nos dias da sua oportunidade. O senhor liberou uma palavra e eu quero compartilhar com vocês: até 2025, nós seremos a nação mais próspera da terra”. Nesse sentido, o candidato dá como certa a prosperidade na vida das pessoas, basta elas se mobilizarem e serão abençoadas. O teólogo Pedro Pamplona explicou que uma das diferenças entre as teologias da Prosperidade e Coaching é que nesta não existe o elemento da barganha, ou seja, não é preciso dar para receber. Como afirmou Pamplona, nesta perspectiva “Deus está assistindo e torcendo pelos grandes empreendedores do palco da fé”.

Marçal é um exemplo de um candidato que encontrou nesta mistura de teologias a estratégia para ampliar o seu prestígio com os cristãos. Apesar da mídia negativa em torno do ex-coachnas últimas semanas, ele segue líder, com 31% das intenções de voto entre o eleitorado evangélico, conforme apontou a última pesquisa Datafolha. Marçal já anunciou o seu desejo de chegar à presidência da república, o que no cenário de hoje talvez não seria provável de acontecer. Mas quando Bolsonaro disse a mesma coisa também não parecia ter chances e alcançou o posto em 2018 – defendendo as bandeiras “Deus, Pátria e Família” – com 70% de votos dos evangélicos. E a mistura entre poder (dominação) e dinheiro (prosperidade) pode ser ainda mais poderosa para eleger aqueles que se denominam os mais capacitados para executar o projeto de país dos evangélicos.   

  *Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Michelli Possmozer é Doutora em Sociologia Política, Mestra em Ciências Sociais e graduada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo. Possui experiência como repórter de jornal impresso, comunicação institucional e pesquisas nas áreas de Religião e Política, Sociologia Urbana, Sociologia da Violência, Desenvolvimento Urbano e Políticas Públicas.