Campanhas eleitorais nas igrejas retornarão ao padrão pré-2022? Há indícios que sim
Encerradas as festividades de Páscoa e iniciando o mês de abril, já podemos dizer que temos os primeiros sinais de que as campanhas eleitorais nas igrejas devem caminhar para os padrões pré-2022. Isso porque, até o momento, elas basicamente não começaram, o que já é uma diferença importante.
Acompanhando campanhas eleitorais em igrejas evangélicas sistematicamente desde 2012, e para além das questões de conteúdo encontrei uma dinâmica formal com as seguintes características:
- a campanha eleitoral “entrava” nas igrejas a partir de julho e ia ganhando maior espaço ao longo dos meses
- A intensidade da campanha aumentava nas últimas semanas e a política eleitoral era o assunto principal na semana anterior ao pleito eleitoral
- As falas relativas à política eleitoral apareciam como um aparte nos cultos. Em meio as atividades, o pastor anunciava que queria falar da eleição e passava as indicações de voto e o discurso da igreja.
- As eleições legislativas ganhavam destaque sobre as executivas, e nelas as igrejas apoiavam efetivamente figuras evangélicas conhecidas no interior das instituições religiosas.
Essas características estavam presentes tanto em eleições municipais quanto federais, e podem ser vistos em profundidade na minha tese de doutorado, defendida no departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo.
Ao longo do tempo alguns desses pontos passaram por mudanças. Em 2018, o esforço pela eleição do ex presidente Jair Bolsonaro evidenciou uma mudança, com as igrejas fazendo esforço voltado às eleições executivas. Em 2022, entretanto, as mudanças foram ainda mais
profundas. Citemos algumas:
- a campanha eleitoral começou em março, trazendo uma janela temporal muito maior para a discussão sobre eleições
- O conteúdo político deixou de ser discutido em apartes do culto e virou o próprio culto em si. Muitas vezes, inclusive, as questões eleitorais eram trazidas às igrejas em episódios de glossolalia, isto é, em episódios em que os pregadores “falavam em línguas” tomados pelo Espírito Santo.
- Houve uma intensificação dos esforços jamais vista, trazendo as eleições para o centro da dinâmica religiosa do segmento.
A intensificação das campanhas eleitorais nos ambientes religiosos gerou reações diversas entre os fiéis. Alguns adotaram fervorosamente as posições políticas promovidas por suas igrejas, considerando-as parte de suas crenças religiosas. Por outro lado, um número significativo de fiéis manifestou descontentamento e resistência à crescente politização dos cultos, mesmo compartilhando das mesmas visões políticas das instituições.
Este descontentamento, somado à derrota de Bolsonaro nas últimas eleições, pode estar levando as igrejas a adotarem uma postura menos ativa nas eleições de 2024. Um indicativo claro dessa mudança é a falta de mobilização eleitoral nas igrejas até agora, em abril, mesmo em locais onde já existe um candidato com forte apoio religioso previsto. Isso sugere que as campanhas eleitorais nas igrejas podem voltar ao ritmo mais moderado observado antes de 2022, marcando uma redução significativa na intensidade com que essas campanhas são conduzidas nos templos.
*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.
Vinicius do Valle é Doutor e mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP). Graduado em Ciências Sociais pela mesma Universidade (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - USP). Realiza pesquisa de campo junto a evangélicos há mais de 10 anos. É autor, entre outros trabalhos, de Entre a Religião e o Lulismo, publicado pela editora Recriar (2019). É diretor do Observatório Evangélico e professor universitário, atuando na pós-graduação no Instituto Europeu de Design (IED) e na Faculdade Santa Marcelina, ministrando disciplinas relacionadas à cultura contemporânea e a métodos qualitativos. Realiza pesquisas e consultoria sobre comportamento político e opinião pública. Está no Twitter (@valle_viniciuss)