Café e livro com Deus Pai: Por que a venda de literatura com temática religiosa ainda surpreende o mercado editorial?
Já não é de hoje que os números de vendas dos livros evangélicos impressionam. A Bíblia, livro mais vendido do mundo, conseguiu a proeza de batizar nome de papel “Bíblia” – lembrando que não temos a qualificação técnica por nomenclatura de “papel livro”. Números de 2022, apenas da Sociedade Bíblica do Brasil e da Editora Mundo Cristão, reportaram 6,5 milhões de exemplares comercializados. Números preliminares somente da Sociedade Bíblica do Brasil, que tivemos acesso, apontam para cerca de 5,1 milhões de exemplares comercializados em 2023.
Se não bastasse os números das variadas e incontáveis versões e acabamentos das bíblias, vários tem sido os livros com temática religiosa cristã que vendem e surpreendem. As 5 Linguagens do Amor é case de origem internacional, mas que também é best-seller no Brasil. Frequentador assíduo da lista do The New York Times faz anos, com mais de 20 milhões de cópias vendidas e traduzido para 49 idiomas, até o início do ano de 2023.
No Brasil, Café com Deus Pai é mais um fenômeno recente de vendas, que veio a público por conta de suas vendas em livrarias que fazem parte da coleta de dados da Nielsen Bookscan Brasil e do PublishNews. Mas, o que muitos analistas e profissionais do mercado editorial talvez não saibam é que, geralmente, os números das principais editoras do segmento editorial evangélico não vendem seus produtos nas livrarias convencionais, e nem tampouco na Amazon, ou nas lojas ou livrarias virtuais mais frequentadas pelo público geral. Portanto, estão fora desses números, já que parte significativa de suas vendas são em outros canais, onde o encontro pode ser semanal, como nos templos, ou mesmos nas incontáveis livrarias e pontos-de-venda especializados em produtos para o segmento, presentes em locais onde nem Correios e nem Caixa Econômica estão. Diante desse fato, os números podem ser mais impressionantes ainda, se forem todos computados à risca. Basta perguntar às gráficas, fábricas e distribuidores de papel, como seria a vida deles se fossem retirados os livros cristãos da contabilidade. Para confirmar o trajeto independente desse segmento, grande parte das editoras evangélicas não se importa com números ou premiações do mercado geral – elas têm sua própria versão do Prêmio Jabuti, e chamam de Prémio Areté (excelência, em grego).
Então, por que a venda de literatura com temática religiosa ainda surpreende o mercado editorial?
Uma das hipóteses seria o distanciamento do caldo cultural das editoras, bem como da cultura brasileira, em relação ao público leitor mais amplo e a incapacidade de ver e aceitar o fato que os evangélicos leem mais do que a maioria da média populacional, até por conta das exigências comuns ao exercício da fé, que estimula a busca permanente do conhecimento para que haja mudança na vida do fiel, objetivando que com isso ele seja mais uniforme em relação ao grupo. De fato, quem não é do “meio” não sabe que na igreja evangélica há a incansável e persistente proposta de viver de forma contraposta ao que a sociedade em geral vive (ver Romanos, capítulo 12), através da busca por uma nova forma de se compreender a vida, propondo uma reação ativa de contracultura, como resposta palpável da vivência religiosa do evangélico, que resultará em “bênçãos” e segurança nos sistemas experienciais e menos teóricos da existência dos menos favorecidos: família, emprego, saúde, pertencimento, ajuda mútua, e por aí vai. E isso é algo comum a todas as mais de 2.000 denominações protestantes, variando relativamente pouco em algumas das chamadas pautas morais.
Por fim, um exame mais cuidadoso dos censos nacionais mais recentes irá mostrar o crescimento exponencial desse grupo religioso, apesar de previsões contrárias anteriores recentes. É fato, por fatos e não por ilações preconceituosas e infundadas, que os evangélicos estão em pleno crescimento, lendo cada vez mais, e transformando a cultura nacional, com a inserção sutil dos que vivem com a perspectiva de ter o Deus da Bíblia como Pai. Uma sugestão para os que duvidam disso, seria observar o fato que o café, bebida nacional de importância cultural e econômica histórica, está também conectada com Deus Pai. Talvez o livro no Brasil esteja em processo similar.
Algumas referências:
G1;
*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.
Marcos Simas é Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo, é professor do programa de Mestrado em Teologia da FTSA – Faculdade Teológica Sul Americana. Por quase 10 anos foi Publisher e Editor-chefe da revista Christianity Today em língua portuguesa.